30.7.12

RSI continua a ser proscrito

por Eugénio Fonseca, (Presidente da Cáritas Diocese de Setúbal e da Cáritas Portuguesa), in Setúbal na Rede

O Rendimento Social de Inserção (RSI) continua a ser mal-amado. Permanecem as questões de sempre suscitadas por uma parte dos portugueses e que assentam, nitidamente, em preconceitos predominantes relativos aos pobres. Ainda há muita gente que pensa e diz que só vive na pobreza quem quer; que esta condição resulta da falta de vontade de trabalhar ou do mau governo dos bens de que se dispõe; que se habituaram a depender dos outros e organizam-se, com artimanhas várias, para assim continuarem…

É verdade que há pessoas com comportamentos menos aceitáveis e que, antes de mais, enodoam a dignidade das próprias. Mas ao conhecerem-se as diferentes histórias de vida destas pessoas que se resignam à sua condição de pobres, percebe-se bem que são mais vítimas do que culpados desta situação. Mesmo com defeitos, maiores ou menores, os pobres são pessoas e como tal são dignas de ser ajudadas para que não lhes falte o mínimo indispensável à subsistência com dignidade. E haverá alguém que tenha, eticamente, direito a todos os benefícios por ser irrepreensível o seu comportamento?

Sei que nem sempre são suficientes as ajudas dadas em bens materiais. Por vezes, é necessário investir em ações que potenciem condições para a autossuficiência. Todavia, nem sempre este investimento se pode iniciar por via do trabalho remunerado. Pode ser necessário começar pela implementação de estratégias que promovam autoestima e a aquisição de competências. Também é importante dignificar o trabalho e não o apresentar à sociedade como um castigo, fato que pode acontecer sempre que se o coloca como condição de acesso a qualquer medida de proteção social. Por outro lado, não se pode confundir “serviço à comunidade” com trabalho.

Numa adequada intervenção conducente à integração social de pessoas empobrecidas e cuja privação de recursos financeiros tem as suas causas em fatores de ordem relacional consigo e com o meio envolvente, é de toda a conveniência que, para além de apoios pecuniários, possam existir outro tipo de ações de outra natureza. O serviço à comunidade pode ser uma delas, mas sempre numa perspetiva da formação/ação. Para que tal seja possível, a responsabilidade da comunidade, através das instituições que façam o enquadramento, não é menor à dos que nelas prestam serviço. Porque se assim não for, corre-se o risco das pessoas desempenharem tarefas sem a capacitação suficiente, com ocupação de responsabilidades e de tempo superiores aos subsídios auferidos e, pior que tudo, permitindo a não criação de postos de trabalho necessários.

A fraude é outra das acusações que se fazem, com frequência, a muitos pobres e tem sido recorrente fazê-la a beneficiários do RSI. Nada justifica as mentiras. Há que criar condições para as evitar e corrigir os infratores. Em muitos casos, as pessoas recorrem a elas para serem mais convincentes por causa dos estereótipos criados que levam ver os pobres como maltrapilhos, mal-educados, sujos, etc. E não é só com medidas fiscalizadoras – embora elas sejam necessárias – que se conseguirá resolver este problema. Se assim fosse, seriam também menores as fraudes na atribuição dos subsídios de desemprego e de doença, bem como no pagamento de impostos. O que me preocupa é que, talvez, muitos dos que consideram fraude as falsas declarações para aceder ao RSI, julguem normal e mesmo justo ludibriar o erário público nestas áreas. E, comparativamente, os encargos públicos decorrentes destas são maiores que os originados pelos dolos existentes no RSI. Só com uma nova visão sobre a pobreza e a implementação de ações de proximidade se conseguirá se eficiente na prevenção das fraudes.

Estão para surgir novas alterações legislativas ao RSI. É mais do que certo que as modificações terão como objetivo dar resposta a estas e a outras acusações da sociedade. O que importa saber é se a nova lei virá contribuir para reduzir a pobreza em Portugal ou para a agravar. Esperemos para ver.