26.9.12

O ADN do trabalhador português. “É nos desafios que o melhor de nós vem ao de cima”

Por Solange Sousa Mendes,in iOnline

Quando desafiados, os portugueses têm três momentos: “impossível; muito difícil; vamos lá”, diz Aurélio Caldeira

Os portugueses são criativos, mas pouco rigorosos; solidários, mas resistentes à mudança. Os nossos jovens têm muita qualidade e representam uma grande esperança para Portugal. No entanto, os portugueses, em geral, são resistentes à mudança.

Foram estas algumas das conclusões que saíram da reunião informal durante o pequeno-almoço, organizado pela Stanton Chase, em parceria com o jornal i, que teve lugar no Hotel Pestana Palace, na passada sexta-feira.

Saímos desta conversa bastante satisfeitos. De modo geral, apanhámos nota positiva. Temos pontos a afinar (digo temos porque na discussão só entraram portugueses), mas há características em que somos únicos: na capacidade de improviso, de desenvencilhanço, de solidariedade e de trabalho em equipa.

Aproximamo-nos, portanto, das conclusões que saíram do inquérito, da Stanton Chase, a quadros de empresas que operam no nosso país: CEO Survey 2012. As qualidades/competências do “trabalhador médio português” mais bem cotadas foram a dedicação e a disponibilidade, com 63,04% e 59,78%, respectivamente. A humildade ficou em terceiro lugar, com 35,87% das respostas. Por sua vez, no cumprimento de prazos e no rigor, o nosso ADN deixa muito a desejar. Só houve 7,61% respostas a indicar o primeiro, e 3,26% o segundo. A abertura à mudança representa apenas 16,30% das opções escolhidas pelos questionados.

“Os portugueses não têm noção da quantidade de compatriotas que trabalham em multinacionais em lugares de destaque”, disse o director de recursos humanos da Delphi, Aurélio Caldeira, sublinhando a nossa qualidade técnica como profissionais. Com esta interjeição reforçou a ideia transmitida pelo exemplo do partner manager da Stanton Chase, José Bencaleiro: “Ainda há pouco tempo, um cliente nosso, alemão, que tem fábricas por todo o mundo, disse que a fábrica com melhores índices do mundo é a portuguesa, de tal maneira que ainda acrescentou que ‘vocês, portugueses, são bons demais para ficar em Portugal’.”

“Isto não quer dizer necessariamente que os melhores portugueses vão para fora”, acrescentou a directora do gabinete de desenvolvimento organizacional da Carris, Sandra Pereira. Se bem que, se estivermos numa gestão estrangeira, podemos ter melhores resultados, porque na opinião da directora de recursos humanos da Luís Simões, Isabel Lima, apesar de termos grande capacidade de esforço e dedicação, “somos indisciplinados”.

“Não concordo nada”, afirmou Sandra. “O trabalhador português precisa de uma chefia, de ter algum enquadramento e de uma direcção. E como em Portugal temos falta de bons líderes, por defeito, não temos boas equipas.” Contudo, acrescentou que isto também pode ser visto numa óptica positiva, porque sendo o trabalhador mais maleável ao que a liderança entende, é disciplinado. “Se estiver no enquadramento correcto, torna--se diligente e zeloso”, reforçou.

A ideia de Sandra Pereira remete para a questão da humildade, outro ponto debatido neste pequeno-almoço. A nossa humildade é um ponto positivo mas, quando em demasia, pode tornar-se negativo. Na sua opinião, os portugueses precisavam de ter mais garra, “mas felizmente a nova geração tem outra postura. Nós temos jovens muito talentosos, esta fornalha é excepcional”.

“Os jovens, agora, têm acesso a uma informação que nós nunca tivemos”, salientou Aurélio, justificando a qualidade que Sandra lhes atribui.

A globalização é, assim, facilitadora da obtenção de cultura e informação e os jovens estão a sorvê-las com competência. Além disso, os estrangeiros reconhecem-lhes isso. “Na minha organização na Bélgica, chegaram a pedir-nos exclusivamente recém-licenciados portugueses para a sua delegação”, recordou a directora de recursos humanos da Stef, Helena Nunes, que considera que os seus conterrâneos têm grande capacidade de adaptação.

No entanto, os portugueses, em geral, são resistentes à mudança. “Custa-lhes sair da sua zona de conforto porque lhes falta auto-estima”, lembrou José Bencaleiro. Mas é quando têm de enfrentar essa mudança e são desafiados que “o melhor do ADN vem ao de cima”, sublinha Aurélio Caldeira. “Os portugueses passam por três momentos: ‘impossível; muito difícil; vamos lá’”, acrescenta. E é no “vamos lá” que mostram a sua capacidade de “desenrascanço”, tão invejada pelos estrangeiros. Falta-lhes é o rigor e o planeamento, que os mesmos tanto gabam. Todavia, os portugueses são solidários e trabalham bem em equipa. Nisso estivemos todos de acordo.