27.11.12

Como um Orçamento do Estado muda a vida dos portugueses

por Matilde Torres Pereira,in RR

Portugueses vão ser chamados a pagar mais IRS. Escalões passam a ser cinco em vez de oito e há uma sobretaxa de 3,5% que vai penalizar ainda mais o rendimento das famílias

No dia em que o Parlamento vota o Orçamento mais austero da história da democracia, a Renascença foi saber o que muda na vida dos contribuintes. Há dinheiro que dificilmente será recuperado e há um montante que pode fazer toda a diferença quando deixar de ser pago - a sobretaxa.

João Monteiro tem 28 anos, é gestor de profissão e tem contas difíceis para fazer com a mulher. Em conjunto, o rendimento mensal ilíquido de ambos soma 2.200 euros - ele ganha 1.000, ela 1.200. Para o ano, vão pagar 4.367 euros de IRS, mais 1.155 euros do que este ano. A austeridade prevista no Orçamento do Estado para 2013 leva um salário a esta família.

A maior parte do dinheiro que o casal perde deve-se à mudança nos escalões de IRS, que passaram de oito para cinco. João Monteiro e a mulher são penalizados em 839,60 euros anuais devido a esta medida - e é dinheiro que não tende a regressar, excepto se o salário aumentar.

Por outro lado, há a sobretaxa de IRS de 3,5%. Em abstracto, é dinheiro que se vai pagar este ano - e talvez no próximo - e que depois volta a reentrar no orçamento familiar (o pressuposto da sobretaxa é ser uma medida temporária). No caso deste casal, a sobretaxa leva-lhes 315 euros anuais.

"Se estivesse numa fase mais avançada da minha carreira, se calhar, estes 300 euros não seriam muito importantes no final do ano. Mas, tendo em conta que acabei de me casar, este dinheiro pode fazer muita diferença quando for possível deixar de pagá-lo", explica João Monteiro.

"Não sei como é possível sobreviver com o ordenado mínimo"
Pedro Henriques, 40 anos, funcionário de aeroporto de Lisboa, pede para usar nome fictício. Aufere um vencimento ilíquido de 1.900 euros. Como é funcionário público, já perdeu os dois subsídios este ano. Em 2013, devido à austeridade prevista no Orçamento do Estado, vai pagar mais 1.756 euros anuais de IRS, valor superior a um salário líquido.

Do dinheiro que vai perder em 2013, um pouco mais de um quarto - 483,21 euros - deve-se à sobretaxa de IRS. A grande parte do que vai pagar a mais - 1.272,95 euros - resulta da mudança de escalões. Quando for possível deixar de pagar os 3,5% de sobretaxa, Pedro Henriques refere que, depois de tudo o que perdeu, os 483,21 euros que vai deixar de pagar "farão toda a diferença".

Apesar de não estar "naquela fase de corda na garganta em que muita gente poderá estar", Pedro explica o que mudou na sua vida: "Janto menos fora, faço as refeições mais em casa, tento a conter-me mais nos gastos de compras supérfluas, tento não andar de carro".

Perante a carga fiscal que aí vem, Pedro Henriques deixa um reparo a quem manda: "Eu não sei como é que é possível sobreviver com o ordenado mínimo. Os próprios governantes tinham que sofrer na pele o que é viver com ordenado mínimo para entender bem o impacto das medidas que criam".

"Hei-de cortar primeiro na minha alimentação que nas actividades do meu filho"
Filipa Silva, nome fictício de uma comercial na área de publicidade com 41 anos, gere um orçamento familiar de cerca de 4.000 euros, valor que engloba a totalidade de rendimentos do casal. No próximo ano, o IRS a pagar sobe para 13.092 euros, mais 2.493 euros que em 2012 - a perda é superior a um salário.

Do montante anual que Filipa Silva e o marido vão deixar de gerir, quase metade deve-se à sobretaxa de IRS - os 3,5% levam 1.197 euros, aos quais se juntam 1.296 levados pelos novos escalões. O montante da sobretaxa é elevado, faz falta à família e Filipa Silva tem dúvidas de que este dinheiro reentre no seu orçamento.

"Quando dizem que é temporário, é durante um ano, que passa a dois, que passa a três, que passa a cinco, que passa a dez... E, de repente, quando está para ser devolvido, existem outras nuances quaisquer que nos vão ficar na mesma com o dinheiro", diz. "Se for reestabelecido, claro que vai ajudar a reestabelecer aqui algumas economias".

Para a comercial, a austeridade já provocou efeitos em casa. "Já desisti da minha empregada. Nas compras do supermercado, antigamente, havia muito mais 'stock' em casa". E, conta Filipa Silva, há prioridades das quais não abdica: "Hei-de cortar primeiro na minha alimentação do que nas actividades do meu filho".

"Fui nacionalizado"
O Orçamento do Estado prevê mudanças para quem aufere rendimentos mais elevados. O último escalão passa a englobar valores acima dos 80 mil euros e os rendimentos acima de 250 mil euros vão pagar uma taxa de solidariedade adicional de 5% (em vez de 2,5%), além da sobretaxa de IRS de 3,5%. É o caso do advogado Filipe Lima (nome fictício), que tem 60 anos e que aufere um rendimento mensal bruto de 100 mil euros mensais.

Em 2013, vai pagar ao Estado quase 44 mil euros de sobretaxa, cerca de 47 mil euros de taxa de solidariedade e os novos escalões de IRS implicam o pagamento de mais 26.667 euros. No total do ano, vai pagar cerca de 683 mil euros de IRS, mais 93.550 euros que em 2012.

"Fui nacionalizado. Perdeu-se a noção de proporcionalidade", critica Filipe Lima. "Costumo dizer de brincadeira que o melhor é talvez mandar vir o Fidel, porque, realmente, o que se está aqui a verificar é a nacionalização do trabalho."

O advogado sustenta que a economia sai penalizada com a elevada carga fiscal a que os rendimentos mais elevados estão sujeitos. "Os rendimentos das pessoas são dinâmicos, isto é, eu não guardo o dinheiro no colchão. Se o Estado me libertar deste sufoco e deste assalto fiscal, é óbvio que eu mobilizaria o meu dinheiro para outro tipo de investimentos. Para gerar riqueza, criar mais postos de trabalho".