30.12.12

Violência doméstica. Mudar para não matar!

Por Elza Pais, in iOnline

Em Portugal, são cerca de 29 mil as mulheres que anualmente têm coragem deapresentar queixa às forças de segurança, números que diminuíram 7% em 2011


Muito se tem feito neste país para prevenir e combater a violência doméstica, sobretudo desde o ano 2000, altura em que passou a ser crime público. Planos, arquitectura jurídica avançada, com inovações electrónicas (pulseira para agressores e teleassistência para as vítimas) desde 2009, momento em que se aprovou a Lei contra a Violência Doméstica, intervenções em rede nos serviços de saúde, envolvimento das ONG e das autarquias em intervenções articuladas e sistematizadas, qualificação das forças de segurança, sensibilização crescente a magistrados, projectos de ajuda mútua para o empoderamento das vítimas, programas de tratamento de agressores, apenas para destacar os mais significativos.

Mas apesar disso as mulheres continuam a morrer em média uma em cada nove dias, assassinadas pelo marido ou companheiro com quem partilhavam a vida. No mundo, estes números não são mais animadores, sabendo-se que por cada duas mulheres assassinadas uma é morta pela pessoa com que vive, o que torna a casa um dos espaços mais violentos das sociedades modernas. Paradoxo insanável: o lugar do afecto é simultaneamente o lugar da violência, e as relações afectivas transformam-se em relações tóxicas e de tortura, que podem levar à morte.

Hoje muitas mulheres que já conseguem quebrar o ciclo infernal de culpa/vergonha que vivem e têm coragem de denunciar o agressor, ultrapassando desse modo a vergonha da denúncia e a culpabilização pela não aceitação da violência como destino de mulher, que estava inscrita no código de legitimação cultural e de uma autoridade reconhecida à violência a partir das relações sociais de género.

Em Portugal são cerca de 29 mil as mulheres que anualmente têm coragem de apresentar queixa às forças de segurança, números que diminuíram 7% em 2011. Será que essa coragem está hoje a diminuir e começamos a assistir àquilo que já se chama o novo silenciamento da violência doméstica? Uma sociedade não pode ser justa enquanto houver pessoas que, por medo ou falta de condições de vida motivadas pela crise ou por outro qualquer acontecimento, tiverem de silenciar a violência que as impede de ser livres.

Os custos sociais e económicos associados à violência de género são enormes. As mulheres vítimas de violência doméstica apresentam uma probabilidade três a oito vezes superior de faltarem ao trabalho, terem filhos doentes, não conseguirem emprego, não obterem promoção profissional e recorrerem mais aos serviços de saúde e às consultas psiquiátricas. E correm riscos acrescidos de suicídio. Há estudos que estimam que os custos económicos deste tipo de violência oscilam entre 1,6% e 2% do PIB de um país.

Combater e prevenir a violência doméstica não é um custo, é um investimento económico, e sobretudo um investimento incalculável em termos de justiça e dignidade humana.

Mas a violência de género não é uma inevitabilidade. Se foi socialmente construída através do enraizamento histórico de uma cultura de desrespeito pelos direitos das mulheres, do uso da força e do poder como forma de as controlar e dominar, pode ser socialmente combatida pelo seu antídoto – um novo modelo civilizacional que promova a igualdade e a cidadania desde tenra idade, sem hesitação, sem avanços e recuos, sem medo de mudar, baseado em valores universais de respeito e aceitação das diferenças e do outro e com novos e saudáveis padrões de masculinidade.

Na tentativa de acrescentar um novo contributo no edifício jurídico de prevenção e combate da violência doméstica, central também ele para a mudança paradigmática da legitimação histórica daquela que foi uma das mais graves violações dos direitos humanos das mulheres, o Partido Socialista apresentou em sede de revisão do Código de Processo Penal que está a decorrer na Assembleia da República três propostas centrais que contribuirão para o reforço do processo de autonomia e protecção das vítimas de violência doméstica.

São elas a atribuição de pensão provisória de alimentos e a regulação provisória das responsabilidades parentais dez dias após o despacho de abertura de inquérito para facilitar o processo de autonomização e reconstrução de um novo projecto de vida; e uma nova medida de coacção, o afastamento do agressor da sua própria residência, se tal se manifestar adequado à protecção da vítima, para que estas não sejam ainda mais penalizadas ao ter de se refugiar em casas de abrigo com os filhos para não morrerem nas suas próprias casas.

Deputada do PS

Investigadora em Violência de Género