16.4.13

Os pobres que paguem a crise

Pedro Leal, in RR

O tom, o discurso e a perspectiva. Tudo aponta numa direcção. Depois da fase dos impostos, segue-se a redução do papel do Estado. Quem vai sofrer? Desta vez, os mais desfavorecidos.

A cartilha do FMI está a um passo de ser recuperada e é clara, dura e até simples: cortes na educação e saúde, redução das pensões, dos benefícios e copagamentos no ensino.

Ora vamos lá parar um pouco e pensar dois segundos: quem vai ser afectado? Quem não tem dinheiro para colocar os filhos em colégios, quem não tem dinheiro para pagar um seguro de saúde, os pensionistas que não conseguiram poupar durante a vida activa, os beneficiários do rendimento social de inserção e seus congéneres. Todos os que precisavam da ajuda do papel social do Estado - os mais desfavorecidos. São eles agora que vão ser chamados a pagar a crise.

E vão ser atingidos duplamente, pois a qualidade do serviço vai cair: o ensino vai piorar, tal como a saúde que estará condenada a deixar de ser universal. Ou seja, vão pagar mais por um serviço de menor qualidade. Conclusão: vão ter menos instrumentos para vencer.

Em pequeno, lembro-me do meu avô ajudar um miúdo da Casa do Gaiato. Chamava-se Zeferino. Invariavelmente, aparecia lá em casa, sujo e com fome. Invariavelmente, o meu avô dava-lhe banho, vestia-o e proporcionava-lhe uma refeição quente. No Portugal que Salazar nos deixou em herança, esta situação até seria normal. Era a vida. Hoje, 50 anos depois, penso que estamos a um passo de sermos confrontados com muitos Zeferinos a bater-nos à porta; parte da classe média não vai aguentar e vai resvalar para situações de grande dificuldade.

O Tribunal Constitucional esteve bem ao chumbar as quatro medidas. Passos Coelho esteve mal na forma como culpou o tribunal pela crise, pois quando um aluno tira uma negativa, a culpa não será do professor. Mas a via que o primeiro-ministro ensaiou no domingo revela uma opção, o tal plano B, que vai criar graves desníveis sociais. E, ou eu me engano muito, isto também não será constitucional. E, se o for, a Constituição está errada.

Por respeito a nós próprios, como sociedade, não podemos aceitar esta via. Não é possível tantos milhões de euros depois sermos confrontados de novo com o Zeferino.