23.5.13

Reclusos vão ficar 12 dias sem contacto com o exterior por causa de greve dos guardas

Mariana Oliveira, in Púlbico on-line

Passam a maior parte do dia confinados à cela. Não podem trabalhar, nem frequentar qualquer formação. Estão sem visitas, sem correspondência e sem possibilidade de telefonar à família.

É assim que está a viver a maioria dos 14 mil reclusos detidos nos estabelecimentos prisionais portugueses por causa de greve dos guardas prisionais.

São 12 dias em que não terão qualquer contacto com o exterior, o que só acontecerá se houver alguma urgência de saúde ou familiar, como o falecimento de alguém próximo. A greve começou anteontem e termina a 2 de Junho.

O alerta é feito por uma ex-reclusa que abandonou o estabelecimento prisional de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, na passada sexta-feira. “Comprometi-me a denunciar esta situação cá fora”, explica a inspectora da Polícia Judiciária Ana Saltão, que esteve presa preventivamente até à semana passada, por suspeitas de envolvimento no assassinato da avó do marido.

A ex-reclusa conta que estava na cadeia em Abril, quando os guardas prisionais estiveram 7 dias consecutivos de greve e sentiu na pele a restrição de direitos que considera fundamentais.

“ Estávamos fechadas 22 horas por dia, só saiamos para as refeições e para estar uma hora no recreio”, relata.
“Neste momento todos os reclusos que se encontram presos neste país estão a passar graves privações. Existem mães que estão presas e que, neste momento, por causa da greve, não conseguem, sequer, falar com os seus filhos menores que esperam pelo telefonema diário das suas mães”, escreveu a inspectora numa carta enviada aos órgãos de comunicação social.

Ontem o PÚBLICO confirmou com várias fontes que trabalham dentro das cadeias esta realidade. Alguns profissionais, que pediram o anonimato, dizem-se preocupados com a tensão que se vive nas cadeias e que tende a agravar até ao final da paralisação. É que apesar dos bares das cadeias já estarem fechados, muitas das máquinas automáticas ainda permitem aos reclusos tomar café ou comprar cigarros. Mas isso irá acabar em breve, porque até 2 de Junho os funcionários das empresas que abastecem estes equipamentos estão impedidos de entrar nas cadeias.

Os reclusos estão impedidos de trabalhar dentro e fora das cadeias, o que já levou várias empresas que empregam detidos a manifestar junto dos serviços prisionais a necessidade de integrar esta situação nos serviços mínimos face aos prejuízos irreparáveis que estão a ter.

O director-geral dos serviços prisionais, Rui Sá Gomes, admite que a situação é “preocupante” do ponto de vista da reinserção, mas diz que determinou os serviços mínimos de acordo com o que têm sido as decisões do colégio arbitral, composto por três magistrados, que funciona sempre que há divergências com o sindicato.

“Todas as situações urgentes estão acauteladas”, sustenta. Admite, contudo, que em alguns aspectos as decisões arbitrais “não têm sido equilibradas”, o que o levou a recorrer da última para os tribunais. Ainda aguarda resposta.

O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, José Alves, diz-se consciente das implicações que a greve tem para os reclusos e diz que nenhum guarda é insensível a esta realidade

“Quem sente a pressão nas cadeias somos nós”, rebate o sindicalista, que realça que a associação já desconvocou greves e tem escolhidas formas de lutas que não prejudiquem tanto os reclusos, como a greve a tempo parcial que fizeram este mês. José Alves diz que o sindicato foi levado para a greve pelo Governo que, o ano passado, esteve sete meses a discutir o estatuto sócio-profissional dos guardas e este ano voltou a querer discutir tudo a partir do zero.

“No ano passado, fomos todas as sexta-feiras a Lisboa entre Janeiro e a primeira semana de Agosto discutir o estatuto com o anterior chefe de gabinete da ministra da Justiça”, precisa. “No final do ano, fomos mandados para o Ministério das Finanças, para a Secretaria de Estado da Administração Pública, dirigida por Helder Rosalino. Pensávamos que íamos discutir só questões de pormenor e com implicações financeiras, mas quiseram discutir tudo do zero. Sentimos que estão a querer enganar-nos”, realça.