13.11.13

É cada vez mais difícil fingir que não se deve renegociar a dívida

Por Filipe Paiva Cardoso, in iOnline

Renegociação da dívida só não entra no discurso dos círculos políticos comprometidos com Bruxelas. Críticas à austeridade excessiva acumulam-se cada vez mais

Começa a ser cada vez mais difícil o governo fechar os olhos e os ouvidos aos recados que de todos os quadrantes da sociedade pedem a redução da austeridade contra as pessoas e a renegociação da dívida portuguesa, ao invés do tipo de medidas que o executivo tem vindo a tomar desde que subiu ao poder - e que só têm complicado ainda mais as contas públicas de Portugal. Ontem foi a vez de Daniel Bessa, Silva Lopes e Artur Santos Silva, presentes na conferência anual da Ordem dos Economistas, deixarem fortes críticas a Passos e Portas.

A política de austeridade é "suicida" e só vai levar ao "abismo", atirou o ex-ministro das Finanças Silva Lopes. "Nos salários não podemos ir mais longe, já fomos longe de mais. A não ser que queiramos o Estado mínimo", reflectiu na sua intervenção, rematando de seguida: "Só com política de austeridade a União Europeia vai para o abismo. A política é suicida." O ex-ministro ainda deixou críticas à Alemanha, referindo que neste país a "política económica" é "apertar, apertar, e logo se vê. A experiência alemã não pode ser repetida em Portugal ou na Grécia".

Silva Lopes também recomendou ao governo que passe a "olhar mais para os novos e menos para os velhos", referindo-se à questão das pensões portuguesas, que, diz, têm um peso maior no PIB português que a média europeia.

Foi Daniel Bessa que tocou na renegociação da dívida pública portuguesa - que explodiu com Sócrates e tem ardido descontroladamente desde a chegada do actual governo e da troika. O economista defendeu que Portugal deve renegociar a dívida mas que, antes disso e para reforçar a credibilidade do país, terá de apostar em novos impostos. "Portugal não tem condições (de renegociar a dívida) sem lançar um imposto pesado sobre o património, impostos bancários e sobre carteiras de valores mobiliários", apontou. Porém, com ou sem estes novos impostos, Bessa defende que a renegociação será mesmo "inevitável" e que acontecerá mais cedo ou mais tarde. "Não sei qual é o dia certo para pôr isso em cima da mesa, mas há cada vez mais urgência para que esse dia chegue."

Já o chairman do BPI, Artur Santos Silva, e depois do "aguenta, aguenta" do seu colega Fernando Ulrich, mostrou a sua interpretação de como deve ser feita a recuperação do país: "Há um grande espaço para aumentar a receita pública", atirou, defendendo aumentar ainda mais os preços da saúde pública - "para quem pode pagar mais", ou seja, para aqueles que mais usam o sector privado - e também aumentar ainda mais os transportes cujos preços já subiram mais de 30% desde 2011, isto apesar da explosão do desemprego e da queda abrupta do rendimento disponível dos residentes em Portugal, elementos que conjugados tornaram o uso do transporte público um luxo para muitos contribuintes. Só em 2012 os transportes públicos registaram menos 127 mil passageiros por dia, para uma quebra anual de 46,3 milhões de viagens, segundo dados compilados pelo INE.

Artur Santos Silva, e já sobre o Orçamento do Estado para 2014, realçou que há "dois pontos críticos" no documento, identificando-os com a evolução do desemprego e a quebra do PIB. "O esforço de consolidação orçamental foi muito superior ao que se fez na Itália e em Espanha e também na Irlanda, e sobretudo se medirmos o esforço pela evolução do saldo estrutural primário", frisou em relação às metas da troika aceites pelo governo.