16.12.13

A história de sucesso que a zona euro precisava para justificar a austeridade

Isabel Arriaga e Cunha, in Público on-line

Dublin forneceu à zona euro a história de sucesso que os seus Governos esperavam para poderem provar que a austeridade imposta aos países financeiramente mais frágeis constitui a estratégia adequada para lhes permitir voltar a caminhar "pelos próprios pés".

A Irlanda é o primeiro dos cinco países sob assistência financeira externa a livrar-se do programa de ajustamento económico e financeiro associado, mesmo se o seu orçamento continuará sob a vigilância das instituições europeias até 2042, o ano previsto para o fim do reembolso da totalidade dos empréstimos de 67.500 milhões de euros recebidos da zona euro e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

"A conclusão bem sucedida do programa irlandês é um sinal forte de que a nossa resposta comum para a crise está a dar resultados" e prova que "um programa de ajustamento tem um princípio e um fim, e que o caminho entre estes dois pontos é mais suave quando há uma aplicação determinada por parte do país em causa, como foi o caso da Irlanda", afirmou esta semana Olli Rehn, comissário europeu responsável pelos assuntos económicos e financeiros.

O Governo irlandês viu-se forçado há três anos a pedir a ajuda dos parceiros da zona euro e do FMI para enfrentar uma grave crise bancária provocada pela implosão, em 2007, de uma gigantesca bolha imobiliária alimentada pelo enriquecimento meteórico nacional: de um dos países mais pobres da União Europeia (UE) no início dos anos 1990, a Irlanda tornou-se em 15 anos no segundo mais rico, a seguir ao Luxemburgo, atingindo em 2007 um PIB por habitante de 41.000 euros, equivalente a 146% da média comunitária. A título de comparação, o PIB português era nesse ano de 15.100 euros por habitante, ou 79% da média europeia, e o da Alemanha 39.000 euros, ou 116% do conjunto dos então 27 membros da UE.

Para evitar o colapso do sistema bancário, que representava então mais de oito vezes o valor do PIB, Dublin decidiu em 2008 injectar montantes astronómicos nos bancos para os salvar, abrindo um rombo nas finanças públicas, que passaram de uma situação equilibrada para um défice de 32% do PIB e arredando o país do mercado da dívida.
O pedido de ajuda foi encarado como uma profunda humilhação nacional, de tal forma que o Irish Times se interrogou então em editorial "se foi para isto que os homens de 1916 morreram: um resgate da chanceler alemã com alguns shillings de simpatia do primeiro-ministro britânico". "Depois de termos obtido a nossa independência política da Grã-Bretanha para sermos os donos dos nossos assuntos, cedemos agora a nossa soberania à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu e ao Fundo Monetário Europeu", lamentou o jornal, referindo-se às três instituições da chamada troika de credores.

A cólera popular manifestou-se de imediato nas eleições legislativas que se seguiram à aprovação da ajuda, com uma razia imposta ao Fianna Fail (centro-esquerda), o partido dominante quase sem interrupção durante mais de 80 anos.

Apesar disso, foi a equipa do Fianna Fail que, bem antes do pedido de ajuda, desenhou o essencial do programa de ajustamento, cujos termos foram aceites quase sem alterações pela troika. Talvez por isso as metas orçamentais irlandesas foram consideradas bem mais realistas do que as dos programas português e grego, de tal forma que não geraram surpresas nem derrapagens.

A diferença mais surpreendente entre os três países é, no entanto, a falta de contestação popular à dura austeridade imposta à população e que se traduziu num ajustamento orçamental desde 2008 a rondar os 20% do PIB e reduções de salários entre 15 e 18% para recuperar competitividade.

"As pessoas sentem-se um bocado embaraçadas e responsáveis pela bolha imobiliária", explica Suzanne Lynch, correspondente do Irish Times em Bruxelas. "Também não há, na Irlanda, a ideia de que é o Estado que tem de se ocupar de nós. E os salários eram tão altos que toda a gente reconheceu que tinha de haver uma correcção”. Segundo a jornalista, "a haver cólera, é contra os bancos, mas o sentimento dominante é sobretudo cansaço e preocupação, porque muita gente não consegue pagar os empréstimos imobiliários". Em causa está o desemprego, que permanece superior a 12% da população activa – apesar da emigração massiva desde o início da crise – a par da queda para metade do valor das casas.

Apesar do sucesso celebrado pela zona euro do programa irlandês, a sua conclusão oficial hoje está longe de representar o fim dos problemas nacionais.