27.5.14

O inevitável aumento da desigualdade de rendimento?

por Boguslawa Sardinha, (Economista, professora da ESCE - IPS, in Setúbal em Rede

Entre os economistas muito se fala ultimamente sobre o livro de Thomas Piketty sobre o aumento das desigualdades no mundo. Piketty chega à conclusão que a desigualdade na posse da riqueza tem vindo a aumentar chegando, como exemplo, esta desigualdade na Europa a níveis do final do século dezanove.

Na base desta desigualdade está o facto de a riqueza acumulada apresentar um retorno económico bastante superior nos últimos anos, quando comparada com o retorno económico do trabalho. Ou seja, os indivíduos que possuem muitos bens de capital, participações em empresas ou bens imobiliários, conseguem rendimentos muito superiores ao dos indivíduos cujo único bem de produção que possuem é a sua força de trabalho.

Segundo o Professor João Constâncio "em França durante a Belle Époque a riqueza herdada representava cerca de 90,5% da riqueza total do país; entre 1914 e 1970 (pelo efeito das duas grandes guerras mas também em consequência de políticas fortemente redistributivas), desceu quase para os 40%, mas, entretanto, não só regressou já a valores superiores a 75%, como voltará aos 90% ao longo do seculo XXI". Claro que esta situação só se verificará se a atual tendência de maior remuneração de riqueza acumulada relativamente ao rendimento do trabalho se mantiver ao longo deste século.

Será que famoso estado social europeu é um enorme fiasco? Qual é então o papel da política social na sua vertente de distribuição do rendimento?

O coeficiente Gini de desigualdade do rendimento indica que nos primeiros doze anos do século XXI a média dos 27 países da EU manteve-se, com ligeiras variações, um pouco acima dos 30% (quanto maior este valor, maior é a desigualdade do rendimento). Isto indica que, mesmo com fortes políticas redistributivas, a desigualdade de rendimento na Europa em média não diminuiu.

Atendendo à crise dos últimos anos este indicador poderá até ser positivo, considerando que se tem verificado nos últimos anos uma tendência de transferência dos rendimentos do trabalho para o fator capital. Basta ver os volumosos pagamentos que os contribuintes europeus fizeram para o setor bancário.

De acordo com os últimos dados conhecidos cerca de 17% da população da UE, ou seja, cerca de 85 milhões de europeus, possuíam um rendimento, após transferências sociais inferior a 60% da mediana do rendimento disponível no respetivo país, que é o indicador considerado para medir a taxa de risco de pobreza, pelo que será necessário desenvolver um esforço significativo do ponto de vista de eficácia e da eficiência da política redistributiva na Europa. Este indicador difere muito de país para país. Em Portugal e na Grécia situa-se nos 22 % enquanto a média da UE-15 é de 13%.

Importa também referir que as transferências sociais em espécie na União Europeia reforçam entre 15 % a 25% o rendimento líquido disponível das famílias. Estas transferências referem-se ao funcionamento de vários serviços públicos de suporte às famílias como por exemplo acontece nos estados nórdicos.

Um dos objetivos da estratégia Europa 2020 é a diminuição em cerca de 20 milhões do número de pessoas em risco de pobreza e exclusão. Este indicador refere-se ao número de pessoas que se encontram em risco de pobreza e/ou em situação de privação material extrema e/ou que vivem em agregados familiares com intensidade de trabalho muito baixa. A combinação destes três critérios utilizados na Estratégia 2020 indica que um em cada quatro residentes na UE está em risco de pobreza ou de exclusão.

Ou a UE encontra o caminho para concretizar a sua política de diminuição da pobreza na Europa, ou então o "inevitável aumento da desigualdade do rendimento" previsto por Thomas Pikkety será uma realidade, muito mais cedo do que ele próprio previu.