2.6.14

Pobreza infantil. Futuro comprometido

por Eugénio Fonseca, in Setúbal in Rede


O primeiro dia de junho é, em todo o mundo, desde 1950, dedicado às crianças. Foi uma proposta da Federação Democrática Internacional das Mulheres. Na génese desta ideia esteve a destruição da segunda cidade do Japão, Osaka, que foi atacada, no dia 1 de junho de 1945, pelos exércitos dos países aliados.

Terminada a II Guerra Mundial, um conjunto de países, que integravam a ONU, decidiram criar algumas organizações para facilitar a recuperação social e humanitária de um mundo destroçado. A UNICEF foi uma delas, pois as crianças são sempre as mais flageladas neste tipo de conflitos ou de outras fragilidades dos países em que vivem. Para as proteger, esta Organização das Nações Unidas, reunida em Assembleia Geral a 20 de novembro de 1959, aprovou a Declaração dos Direitos da Criança. Com base nesta convenção, ratificada por 193 países, milhares de crianças têm tido acesso a bens essenciais que as defendem de estados de subnutrição, de falta de instrução ou de cuidados de saúde básicos, de variados tipos de escravatura e até mesmo de mortes prematuras. Mas ainda há muito a fazer e não só nos países em vias de desenvolvimento. Contrariamente ao que seria plausível, em algumas das zonas do chamado primeiro mundo está a recrudescer a pobreza infantil e muitas outras formas de maus tratos - algumas bem sofisticadas - que atingem este grupo populacional. Portugal é um desses. Por isso, este ano, os telejornais do Dia Mundial da Criança abriram com a notícia da situação grave de empobrecimento em que se encontram os mais pequenos, no nosso país.

Foi importante trazer esta realidade para a praça pública no dia em que se pretendia chamar a atenção para os direitos das crianças. Mas os portugueses já tinham tido a oportunidade de a conhecer, pois, no ano passado, a Cáritas Europa, no seu primeiro relatório sobre a crise, chamou à atenção para os 25 milhões de crianças que na União Europeia vivem em risco de pobreza ou exclusão social. Isso quer dizer que uma criança em cada quatro vive exposta a situações de pobreza. Em Portugal, a taxa de pobreza infantil ultrapassa, há oito anos, a média europeia, tendo-se fixado nos 22,4 %, em 2011, quando a média da UE era de 20,5%. É, atualmente, aceite que a primeira infância é a fase mais crítica no desenvolvimento de uma pessoa, e que a pobreza nessa idade pode prejudicar as crianças psicologicamente, fisicamente, emocionalmente, e têm um impacto negativo no seu bem-estar, agora e no futuro.

A pobreza infantil é muito mais do que apenas não ter dinheiro suficiente. Trata-se também de não viver numa habitação decente, ou não ter acesso à educação de boa qualidade e aos serviços de saúde ou também de não ter as mesmas oportunidades para desenvolver ou participar no tipo de atividades recreativas e culturais apreciadas por outras crianças.

E as crianças têm bem consciência disso. Num pequenino livro, elaborado pela poetisa setubalense Alexandrina Pereira e publicado pela Cáritas Diocesana de Setúbal, alguns alunos das Escolas Básicas das Areias e do Poceirão, intitulado "O Olhar das Crianças sobre a Pobreza. Eu sei! Eu sinto!", no qual expressam o seu pensamento sobre a pobreza. Pela significância deste pensamento, partilho com os leitores alguns dos depoimentos. Diz o Diogo Caveiro, de 8 anos: "Ser pobre é uma mancha de sumo de cereja marcada na vida, porque quando o sumo de cereja cai na roupa nunca mais sai dela"; Para a Patrícia Barreiros, de 10 anos: "É não ter praticamente nada, como os mendigos que andam na rua e que vão aos contentores do lixo buscar comida para comer". Outras crianças até deram algumas sugestões. O Gonçalo do Rosário, com 8 anos, "dizia para darem mais importância aos pobres". Na verdade ninguém pode ficar indiferente, porque se pode estar a comprometer o futuro de uma ou mais gerações.

A Joana Jones, de 8 anos, também demonstrou a sua vontade de dar um singelo contributo e escreveu no referido livro: "Eu comprava leite, água, sumo, batatas fritas, etc. Eu comprava leite, água, sumo, batatas fritas, etc… Comprava também livros de histórias para as crianças". O leitor se quiser adquirir este livro poderá contribuir para que as crianças possam tomar, pelo menos uma refeição, por dia. Estão à venda na Cáritas Diocesana de Setúbal.

Este tipo de ações solidárias é indispensável, mas há que fazer com que os governos nacionais e a EU em geral assumam, decididamente, a responsabilidade de criar estruturas e mecanismos para desenvolver as estruturas políticas e fornecer os recursos necessários para evitar a pobreza infantil e para enfrentá-la.

Que a celebração do Dia Mundial da Criança seja uma razão motivadora para os governos darem prioridade ao combate à pobreza infantil, e sinais evidentes no sentido de se construírem sociedades mais inclusivas, onde todas as crianças possam ter a possibilidade de realizar seu pleno potencial.