5.8.14

Ébola, um vírus que se alimenta da miséria

Nicolau Ferreira, in Público on-line

Não tem cura, mas é possível ser combatido e controlado, como foram os surtos no passado. Na Guiné-Conacri, na Libéria e na Serra Leoa o vírus do ébola está fora do controlo, mas a reunião de dia 1 de Agosto com a Organização Mundial de Saúde e os governos poderá ajudar a inverter a situação.

Ao contrário do rio Ébola, a aldeia Yambuku não aparece no Google Maps. Mas poderia estar lá, no norte da República Democrática do Congo. Aliás, poderia ser este nome a aterrorizar organizações de saúde, governos e, principalmente, as populações da Guiné-Conacri, da Serra Leoa e da Libéria, onde o pior surto de sempre do vírus do Ébola deflagrou, com 485 mortes confirmadas. A doença surgiu pela primeira vez em Yambuku, em 1976, quando o território se chamava Zaire. O seu nome não se tornou famoso por sensibilidade e bom senso.

Peter Piot, o cientista belga que primeiro descobriu o vírus numa amostra vinda daquela aldeia, enviada para o Instituto de Medicina Tropical de Antuérpia, na Bélgica, e que de seguida voou para o Zaire para lutar e exterminar o surto original, que matou 300 pessoas, explicou à BBC News esta questão: “Não quisemos dar à doença o nome da aldeia, Yambuku, por ser tão estigmatizante.” Na altura com 27 anos, o virologista e a equipa olharam para uma alternativa, procuraram o rio mais perto da região, e lá estava o Ébola.

Desde aí, os mais de 20 surtos que aconteceram nas décadas seguintes e mataram 1323 pessoas manifestaram-se quase sempre na África Central, nunca ganharam a dimensão do que se passa agora na África Ocidental, onde o atraso, a falta de organização estatal e o estigma estão a falar mais alto. “Não nos devemos esquecer que esta é uma doença de pobreza, de sistemas de saúde disfuncionais e da desconfiança”, defendeu Peter Piot, que hoje é director da London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido.

O vírus do ébola causa febres hemorrágicas. Sem haver nenhum medicamento ou vacina, o viros infecta as células endoteliais dos vasos sanguíneos e linfáticos, além de infectar outros órgãos. Entre o segundo e o vigésimo primeiro dia de contágio, aparece a febre, a fraqueza e dores. As hemorragias, que vêm depois, são fruto do colapso dos órgãos e dos vasos.

Nesta fase a doença é especialmente infecciosa, quando os vírus inundam o sangue e as secreções e outra pessoa pode entrar em contacto com estes fluídos. O ébola é muito mais controlável do que os vírus da gripe que são transmissíveis pelo ar. No entanto, quem contrai a doença, tem um alto risco de morrer. Os médicos tentam controlar a progressão da infecção baixando a febre, mantendo o doente hidratado e tratando infecções secundárias.

O surto actual terá começado no final de 2013 na Guiné Conacri, junto da região fronteiriça com a Libéria e com a Serra Leoa. Mas só este ano, em Março, os casos começaram a disparar. A doença acabou por alastrar para a Libéria e para a Serra Leoa. Um viajante norte-americano que estava na Libéria, onde contraiu a doença, acabou por morrer na Nigéria. Um médico norte-americano que contraiu a doença chegou ontem aos Estados Unidos onde vai ser tratado num hospital em Atlanta.

Até agora, há 485 mortes confirmadas e 909 infectados, mas segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 31 de Julho, estima-se que haja 729 mortes causadas pelo ébola e 1323 pessoas infectadas com o vírus. Continua a haver novas transmissões, o surto não está controlado.

“O vírus do ébola apareceu em países em que nunca tinha aparecido, não havia nenhuma capacidade de resposta”, diz ao PÚBLICO Jaime Nina, médico e clínico do Hospital Egas Moniz, especialista em infecções tropicais, e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical. “São países que além de serem paupérrimo têm partes que são controladas por guerrilheiros.”

Os relatos dão conta de instalações de saúde com poucos meios que trabalham num contexto dificílimo. As comunidades apanhadas pelo vírus estão isoladas, desconfiam da medicina ocidental, optam por recorrer à medicina local e a práticas ritualísticas. Muitas vezes, acham que a doença foi uma invenção dos brancos e associam a entrada nos centros de saúde à morte certa.

Jaime Nina aponta que no mais pobre dos três países, a Guiné Conacri, a incapacidade de combater o ébola é ainda maior e isso reflecte-se na fatalidade desta doença. A mortalidade é de 73,7% na Guiné Conacri, enquanto na Libéria é de 47,4% e na Serra Leoa é de 43,7% (casos estimados e confirmados).

Na sexta-feira, da reunião entre Margaret Chan, directora-geral da OMS, com os presidentes dos três países, saiu um sinal positivo. “Os presidentes reconhecem a natureza séria do surto de Ébola nos seus países”, disse Margaret Chan após a reunião, citada pela agência Reuters. “Os presidentes estão determinados a fazerem medidas extraordinárias para trava o ébola nos seus países.”

Os líderes garantiram que vão colocar forças de segurança para isolar a região da fronteira, onde o surto teve início, e onde está 70% dos casos. A OMS já tinha garantido na quarta-feira um financiamento adicional de 74,47 milhões de euros para um plano de combate ao ébola.

Ao mesmo tempo há sinais de receio por parte da comunidade internacional. Ontem a Emirates, do Dubai, suspendeu os voos comerciais para a Guiné Conacri. É a primeira grande companhia aérea a suspender voos para um país com o surto, mas várias pequenas companhias já o fizeram, principalmente de outros países africanos. A organização voluntária americana, Peace Corps, retirou 340 voluntários da região.

Os especialistas defendem que o combate contra o ébola ainda vai demorar meses. Desde 2000 que tem havido quase todos os anos novos surtos. Tudo indica que o reservatório natural do vírus são morcegos frugívoros das florestas. “Há uma explosão demográfica, as zonas florestais sem ninguém agora têm alguma população”, diz Jaime Nina, acrescentando que há mais caça selvagem nas florestas, onde se mata os animais diurnos e animais nocturnos como os morcegos proliferam. “Com eles estão as doenças que trazem.”