12.8.14

Falta de parques para as comunidades ciganas potencia acidentes com cavalos

Carlos Dias, in Público on-line

Famílias que andam de terra em terra não têm locais para deixar os animais que não seja junto da rede viária e as consequências revelam-se, por vezes, dramáticas.

Depois do choque com um cavalo que vitimou quatro pessoas na noite de Natal, entre as quais uma ex-jornalista do PÚBLICO, as autoridades intensificaram a vigilância sobre os animais que apascentam ou estão em aparcamentos de gado junto à rede viária. Os efeitos desta medida já se notam mas falta resolver o problema dos animais das comunidades nómadas.

O risco de novos acidentes parece ter sido atenuado. Deixaram de se observar animais presos a estacas junto a rotundas e estradas, como acontecia, por exemplo, na periferia das cidades de Beja e Évora. Em meados de Junho, a GNR apreendeu 12 equídeos que se encontravam à solta nas bermas de duas estradas nacionais, entre Évora e Redondo.

No entanto, está por resolver um problema de fundo: as comunidades ciganas que fazem do nomadismo e do negócio de compra e venda de equídeos (mulas, machos e burros) o seu modo de vida não foram contempladas na legislação em vigor que estabelece as normas regulamentares para “a criação e detenção de equídeos” (Portaria n.º 634/2009).

Os produtores pecuários são obrigados a cumprir uma série de requisitos sanitários (acesso a água de qualidade, condições de abeberamento e até instalações para quarentena), mas as comunidades nómadas apenas têm de proceder ao registo dos animais, quando sejam proprietários a partir de dois da mesma espécie, e “desde que seja assegurada a existência de um parque de retenção”.

E é precisamente a ausência de parques de retenção que suscita as queixas das famílias nómadas. “Sou ambulante nunca tenho um sítio certo para ficar”, apresenta-se João Dimas Manano, enquanto atava um dos seus machos a uma estaca para pastar no parque destinado à comunidade cigana que a Câmara de Beja instalou nos arredores da cidade em 2006. Aqui as famílias ciganas têm direito a instalações sanitárias, água canalizada, sistemas de iluminação, recolha de lixos, e espaço para as suas tendas, animais e viaturas.

Não tem sítio certo para viver. “Abalo de uma aldeia para a outra com as carroças e quando os animais estão cansados tenho de parar, porque os bichos precisam de descansar”, conta. O problema é quando chega a GNR: “Temos de deixar o local mesmo que a gente esteja a comer ou a dormir, às vezes até de madrugada”, conta ao PÚBLICO Dimas Manano. O cidadão que tem no negócio de animais o sustento dos seus sete filhos reconhece que é necessário “haver uma regra” que evite os acidentes com cavalos mas “nem tudo é culpa dos ciganos", sublinha peremptório. E o certo é que em muitos casos a existência de cavalos nas estradas resulta do rebentamento das cercas de aparcamentos de gado.

Os membros da família Moreais também fazem do nomadismo o seu modo de vida e com frequência acampam no parque de Beja para evitar problemas “com a polícia e a guarda”. Tal como Manano, reclamam “uma lei para os ciganos acamparem e ter direito a estar” para evitar problemas constantes com as autoridades.

O problema é que “não há locais previamente estabelecidos para as famílias nómadas poderem deixar os animais”, confirma ao PÚBLICO o major Rogério Copeto, Chefe da Secção do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente do Comando Territorial de Évora. “O Estado tem de criar condições”, prossegue o militar, realçando a necessidade de criar condições para estas famílias “acantonarem me condições para que os animais estejam guardados”.

O cumprimento de regras “tem sido problemático porque eles (famílias ciganas) acampam debaixo das árvores, prendem os animais aos postes eléctricos e telefónicos, sinais de trânsito e à beira da estrada”, relata Rogério Copeto, mas com um reparo: a situação seja “neste momento mais tranquila”.

O militar chama a atenção para as especificidades das comunidades ciganas que vivem em itinerância. A negociação de éguas, mulas, burros e cavalos “faz parte da cultura tradicional cigana que vive deste negócio que representa a sua fonte de rendimento”, assinala.
Adérito Nunes, presidente da Associação para o Desenvolvimento da Etnia Cigana, diz que os animais “são adquiridos” pelas famílias ciganas “a grandes produtores pecuários” que criam cavalos. Quando estes “não apresentam as características genéticas requeridas, [estes grandes proprietários] vendem-nos [aos ciganos] por baixo preço e sem microchip nem o cartão de registo”, denuncia o dirigente associativo. Uma situação que “não admite qualquer contemporização”, seja com quem for, isto é, mesmo que o cavalo tenha sido adquirido sem que todas as regras fossem respeitadas, o novo dono terá de as cumprir, adverte Rogério Copeto.

Cães são a maior causa de acidentes
O relatório que Guarda Nacional Republicana (GNR) elaborou sobre os sinistros rodoviários em todo o país em 2013, envolvendo colisões ou atropelamentos de animais, refere que em resultado dos 1799 acidentes foi registada a morte de cerca de dois mil animais domésticos ou silvestres.

Cerca de metade eram cães, mas os javalis, raposas e veados também aparecem em grande número.
Os animais que provocaram os acidentes de maior gravidade foram os cães, com 45%, seguido dos javalis e dos bovinos, ambos com 18% e os cavalos com 11% dos acidentes.

Os distritos onde há maior probabilidade de se encontrarem javalis na estrada são os de Setúbal, Castelo Branco e Évora. Os equídeos surgem em maior número dos acidentes nos distritos de Faro, Beja, Braga, Setúbal, Viana do Castelo e Vila Real.
Os acidentes com ovelhas são responsáveis por 37% dos acidentes nos distritos de Castelo Branco e de Évora.