30.9.14

O número de mortos no Mediterrâneo continua a aumentar enquanto a Europa desvia o olhar

in Amnistia Internacional

Um ano após os naufrágios de Lampedusa, Itália, quando mais de 500 pessoas perderam a vida, a Amnistia Internacional aponta o dedo à inação dos países da União Europeia face ao escalar do número de mortos no Mediterrâneo. A Europa desvia o olhar quando milhares de refugiados e migrantes procuram, em desespero, chegar às suas costas. Dados publicados no novo relatório, lançado esta terça-feira, 30 de setembro.

“Lives adrift: Refugees and migrants in peril in the central Mediterranean” (“Viver à deriva: Refugiados e migrantes em perigo no Mediterrâneo central”) resulta de missões de investigação a Itália e Malta, incluindo uma viagem a bordo do navio de busca e salvamento da Marinha italiana. Sobreviventes, autoridades e peritos reportam os perigos por que passam os que fogem à guerra, à perseguição e à pobreza.

“Quando deixei a Líbia éramos 400 pessoas com umas 100 crianças. Tinhamos de seguir em barcos frágeis até chegarmos a um barco maior. Quando vi este barco maior percebi que era muito mau e não queria embarcar, mas o contrabandista ameaçou-me com uma arma. Demorou duas horas até que todos tivessem embarcado. Às 2 horas da manhã ouvi tiros. (Um barco com homens armados) colocou-se à frente do nosso barco. Durante quatro horas tentaram fazer o barco parar. Dispararam tiros de vários lados. Quando amanheceu, desapareceram. E o barco danificado ficou a balançar. Atirámos à água todos os nossos sacos, incluindo os coletes salva-vidas – queríamos viver!”. O testemunho de Mohammed, de 22 anos, da Síria.

Os conflitos no Médio Oriente e em África, as privações económicas e o encerramento das fronteiras terrestres no sudeste da Europa empurram os mais desesperados para a travessia marítima. Os refugiados e migrantes são “colocados em barcos frágeis por traficantes sem escrúpulos e todas as semanas centenas de refugiados e migrantes ficam entre a vida e a morte, entre a esperança e o desespero”, continua John Dalhuisen.

“Este ano mais de 2.500 pessoas morreram já afogadas no mar Mediterrâneo ou continuam desaparecidas depois de terem embarcado para a Europa vindos do Norte de África”. Este ano ainda estima-se que mais de 130.000 refugiados e migrantes tenham transposto as fronteiras do sudeste europeu através do mar. Quase todos foram salvos pela Marinha italiana e a grande maioria provinha da Líbia.

Europa tem de reagir

“Esta tragédia passa-se às portas da Europa e esta não a pode ignorar”, reitera John Dalhuisen. A Amnistia Internacional apela a que os membros da União Europeia, e a própria instituição, coloquem mais embarcações de busca e salvamento na zona central do Mediterrâneo com o intuito de salvar vidas em alto mar. Para tal os Estados devem receber os recursos adequados.

O relatório agora lançado revela alguma fraqueza na estrutura dos serviços de busca e salvamento no Mar Mediterrâneo e pede rotas mais seguras e legais para os que fogem aos conflitos e à perseguição. Os Estados podem reinstalar estas pessoas, admiti-las ao abrigo de programas humanitários ou facilitar a reunificação familiar. A Amnistia Internacional apela ainda a uma revisão dos regulamentos de Dublin, que gerem o processo de candidaturas ao asilo no seio da União Europeia.

A investigação desvenda a falta de coordenação existente entre os países costeiros, principalmente entre Malta e Itália, o que exacerba ainda mais os perigos da jornada. Discussões de longa data entre os dois países sobre as obrigações no que diz respeito à busca e salvamento podem ter custado a vida a centenas de refugiados e migrantes. A 11 de outubro de 2013 uma traineira que levava 400 pessoas a bordo afogou-se na zona de busca e salvamento de Malta.

A indignação internacional face aos naufrágios e a promessa de fazer mais para salvar vidas no mar não foram seguidas de nenhuma ação significativa por parte dos líderes da União Europeia. Itália foi o único país a responder lançando a Operação Mare Nostrum e destacando uma parte significativa da sua Marinha às operações de busca e salvamento na zona central do Mediterrâneo.

Contudo, os melhores esforços de Itália não foram suficientes para prevenir a perda dramática de vidas no verão passado. E Itália anunciou recentemente que a operação não é sustentável a longo prazo. “A Operação Mare Nostrum tem salvo dezenas de milhares de vidas no mar”, reconhece John Dalhuisen, mas é importante referir que esta não é uma solução a longo prazo. É preciso um esforço concertado da União Europeia para ir de encontro à responsabilidade partilhada”.

“A proposta recente de ser a Frontex, a agência da União Europeia de vigilância das fronteiras, a atuar só poderá ser um passo positivo se foram disponibilizadas todas as condições em alto mar pelos estados membros da União Europeia e se o seu mandato referir claramente as suas funções de busca e salvamento”.

Necessidade de reformar o sistema de asilo da União Europeia

O relatório acrescenta que o Regulamento de Dublin da União Europeia (que indica que o primeiro país a ser pisado pelo refugiado fica responsável pelo seu processo de pedido de asilo) coloca uma pressão injusta sobre os países envolvidos nas operações de salvamento, pois ficam responsáveis a longo prazo por satisfazerem as necessidades dos requerentes de asilo.

A falta de partilha de responsabilidades entre os países da União Europeia desencoraja os países a sul da Europa, particularmente Malta, de recolher refugiados e migrantes para os seus portos.