22.9.14

“Temos margem para discutir subida do salário mínimo acima dos 500 euros”

Raquel Martins, in Público on-line

O presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal rejeita a entrada em vigor do novo salário mínimo ainda este ano. Mas está disponível para discutir valores acima de 500 euros no próximo ano.

Nas últimas semanas, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) tem sido apontada como um dos principais obstáculos a um eventual acordo em redor do aumento do salário mínimo nacional (SMN) por recusar que entre em vigor ainda este ano – uma pretensão da UGT que tem o acordo dos restantes patrões. João Vieira Lopes, presidente da CCP, garante que a confederação não está a bloquear qualquer acordo, lembrando que a decisão final cabe ao Governo. Contudo, não fecha a porta à discussão do tema e reconhece que os 505 euros, propostos pela UGT, “não são um valor absurdo”, desde que seja “para atingir no próximo ano”. Considera ainda que definir um mecanismo automático para a actualização do SMN no futuro não seria “prudente”, tendo em conta “a instabilidade da economia”.

Por que razão a CCP é apontada, neste momento, como o principal obstáculo a um acordo em redor do SMN?
Discordo dessa análise. O congelamento do salário mínimo deve-se a um dos pontos – errados – do plano de ajustamento da troika, que sempre partiu do princípio de que a competitividade da economia portuguesa se deveria basear na baixa dos salários. Sempre criticámos isso, porque consideramos que o principal problema está na qualificação dos trabalhadores, e também dos gestores, e nas opções estratégicas. Durante estes anos, o Governo, seja por convicção, por opção negocial ou por incapacidade negocial, alterou alguns pressupostos do plano da troika, mas neste nunca mexeu. A CCP aceitava aumentar o SMN em 2012, em 2013, em 2104 e aceita para 2015. Sempre considerámos que o salário mínimo deveria ser aumentado porque tem um efeito positivo em termos de consumo e, por outro lado, porque seria um sinal para o mercado no sentido de dizer que Portugal não está centrado no empobrecimento. Não nos consideramos bloqueadores de nada. As empresas, se quiserem e tiverem possibilidades, podem aumentar o SMN desde já. Em última análise, esta é um prorrogativa do Governo, depois de ouvidos os parceiros sociais. Portanto, não assumimos qualquer ónus relativamente à decisão.

Se a CCP aceitava aumentar o SMN em 2012, 2013 e 2014, por que razão não aceita que esse aumento possa entrar em vigor a 1 de Outubro? Não são posições contraditórias?
Não. A CCP representa os sectores do comércio e dos serviços, nomeadamente serviços de mão-de-obra intensiva (limpezas, contact centers, restauração colectiva), que funcionam com contratos anuais e que não podem mudar as suas tabelas a meio do ano. Por outro lado, a CCP sempre disse que o SMN deveria ser revisto no último trimestre de cada ano e programado para o ano seguinte, para que as empresas possam fazer tabelas de preços tendo isso em conta.

É uma posição irredutível?
É uma posição de defesa empresarial, que não entra em demagogias fáceis. Vejo gente a defender “aumente-se o SMN já”, mas, em contrapartida, se as empresas que fazem a limpeza ou gerem as cantinas das suas empresas quiserem mudar a tabela de preços, não aceitam. Estamos muito mais flexíveis para discutir valores acima dos 500 euros ou aumentos faseados, um no início e outro a meio do próximo ano.

Até onde estão dispostos a ir?
Tivemos uma reunião de direcção, na quinta-feira, onde o tema foi abordado. Temos margem para entrar nessa discussão, mas teremos mais flexibilidade se o aumento for faseado, do que se for logo a 1 de Janeiro de 2015.

A discussão que está a ser feita no grupo de trabalho do SMN (onde participam todos os parceiros sociais) tem-se centrado na entrada em vigor ainda este ano ou é uma discussão mais alargada?
Tem sido fundamentalmente em torno do aumento ainda este ano. Não quer dizer que lateralmente não se tenha abordado outras questões.

E tudo se encaminha para que haja um aumento em Outubro?
Não sei. O Governo também não se tem comprometido.

A UGT pede 505 euros a 1 de Outubro, com efeitos durante o próximo ano. Parece-lhe razoável?
Os 505 euros não são um valor absurdo para atingir durante o próximo ano, não necessariamente a 1 de Janeiro. A questão de base [a oposição à entrada em vigor em Outubro] mantém-se.

Por que razão o Governo está tão empenhado num acordo? Tem a ver com a proximidade das eleições?
Terá de perguntar ao Governo. Até agora, seja por convicção ou porque tentou junto da troika e não conseguiu, este não foi um tema prioritário. Aproximam-se as eleições, no Governo há várias sensibilidades…

E neste contexto a CCP não está disponível para estar ao lado do Governo.
Não se trata de estar ou não ao lado do Governo. A nossa posição justifica-se pelos interesses dos sectores empresariais que representamos. Se o Governo quiser aumentar em Outubro, que decida. Nós manifestaremos a nossa oposição.

Tem-se falado da necessidade de fazer depender o aumento SMN e a política de rendimentos da produtividade. Em concreto, que indicadores estão em cima da mesa?
Até agora, falou-se apenas na palavra “produtividade”. Temos muitas dúvidas de que seja possível definir mecanismos automáticos de aumento do SMN.