28.10.14

Bruto da Costa. Pobreza infantil não será resolvida sem combater pobreza da família

in iOnline




Bruto da Costa advertiu ainda que, se isso não for feito, corre-se um “grande risco”, o risco de não se passar de “medidas assistenciais”




O presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz, Alfredo Bruto da Costa, alertou hoje que o problema da pobreza infantil nunca será resolvido se não forem combatidas as causas da pobreza da família.

O alerta de Bruto da Costa surgiu no final da apresentação do relatório do Comité Português para a Unicef “As crianças e a crise em Portugal – Vozes de crianças, políticas públicas e indicadores sociais, 2013”, a que estava a assistir como convidado.

O documento faz uma análise aprofundada das políticas de resposta à crise e ao modo como estas estão a afetar o dia-a-dia dos agregados familiares com filhos, e dá a conhecer testemunhos, opiniões e estratégias para enfrentar a crise de crianças e adolescentes que vivem em Portugal.

“A pobreza é uma situação de privação por falta de recursos. Nós temos a descrição da privação, pouca análise da falta de recursos e do que ainda falta de recursos”, sublinhou Bruto da Costa, comentando os dados do estudo.

O economista explicou que uma criança nunca é titular de recursos e, como tal, “cientificamente não há nada a que se chame pobreza infantil”.

“O que há é privação infantil e situações de pobreza das famílias em que as crianças vivem e quem é titular dos recursos são os pais”, sustentou.

Desta situação surge uma “consequência científica imediata”: “Por mais que façamos pelas crianças, se não olharmos para as causas da pobreza da família, nós nunca resolvemos o problema da pobreza infantil”, frisou.

Bruto da Costa advertiu ainda que, se isso não for feito, corre-se um “grande risco”, o risco de não se passar de “medidas assistenciais”.

Este risco, “em certo sentido, perpassa tudo o que se tem feito em termos de pobreza em Portugal, nos últimos 50 anos”, frisou.

“Nós temos tido o condão, nos últimos 50 anos, de reduzirmos palavras fortíssimas como ‘empoderamento’, participação, dar a voz aos pobres (…) e de reduzirmos estes fatores de mudança social fortíssimos a questões totalmente inócuas. Damos a voz sem nada acontecer”, lamentou.

O presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz colocou o desafio à Unicef de continuar este trabalho, encontrar os fatores explicativos para estas situações, “que estão muito bem caracterizadas e, a partir daí, ver que tipo de desdobramento ou complemento poderia ter na lista das recomendações que fazem”.

“As recomendações podem ser extremamente válidas, mas um leitor qualquer também pode lê-las numa linha meramente assistencial”, apesar de a intenção não ser essa.

No entanto, “permitem essa leitura e esse é um risco muito grande da sociedade em que vivemos, porque é um traço cultural da nossa sociedade reduzir a pobreza à assistência social”.

Também a assistir à apresentação do relatório, a antiga ministra da Saúde e pediatra Ana Jorge realçou duas conclusões do documento: “Sem um sistema global integrado de recolha de dados e de uma política transversal a todas as áreas e a todos os direitos das crianças, não é possível chegar a elas e esse é um contributo muito importante para sairmos do assistencialismo para os direitos”.

Nesse sentido, Ana Jorge defendeu uma “política para a infância” integradora de todos os setores da sociedade, desde as autarquias, à economia, às famílias, ao emprego, à saúde e à educação, porque sem isso não se consegue que as crianças tenham os seus direitos.

“Aquilo que se tem vindo a passar na área da educação é pôr-se em risco o futuro destas crianças”, apontou como exemplo Ana Jorge.