10.10.14

Crise impede doentes mentais crónicos de irem às consultas

Natália Faria, in Público on-line

Segurança Social tem de dar resposta às pessoas que não têm dinheiro para ir às consultas, alerta Álvaro de Carvalho, director do Programa Nacional de Saúde Mental.

A crise está a fazer diminuir a afluência das pessoas com doença crónica mental às consultas. “As pessoas deixaram de ter dinheiro para custear os transportes, porque estão desempregadas; ou, estando empregadas, porque as entidades patronais se tornaram mais exigentes”, adiantou ao PÚBLICO Álvaro de Carvalho, o director do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral de Saúde (DGS).

Não se trata de uma realidade quantificável, mas, para Álvaro de Carvalho, é urgente que a Segurança Social apoie “as pessoas que, por dificuldades económicas comprovadas, deixaram de comparecer às consultas”. Até porque, se não houver resposta atempada, a factura a pagar será muito mais elevada. “Se as pessoas deixarem de se tratar, vão acabar por ir parar às urgências”, sublinhou.

A crise tem, por outro lado, feito a aumentar os casos de maus-tratos a crianças e adolescentes que acorrem quer às urgências psiquiátricas quer às consultas de psiquiatria infantil. “Tal como em qualquer situação de crise económica, temos assistido a um aumento das situações de maus-tratos e de mortes violentas e a uma redução das mortes por acidente de viação”, contextualizou aquele responsável, a propósito do Dia Mundial da Saúde Mental que se assinala esta sexta-feira.

No diagnóstico à capacidade de resposta dos serviços de saúde mental, há várias lacunas a apontar. Desde logo, faltam camas para internar crianças e adolescentes com problemas mentais. O país dispõe de apenas 20 (10 em Lisboa e 10 no Porto) e seriam precisas pelo menos 40. Já em Julho, o director do Serviço de Pedopsiquiatria do Hospital Psiquiátrico de Coimbra, José Garrido, explicava que a inexistência de camas para internamento obriga a que estas crianças e adolescentes sejam incorrectamente seguidos em consultas externas. Consequentemente, os médicos recorrem a “doses de medicação mais elevadas para conter comportamentos desadequados de forma puramente química”, como alertou então aquele responsável.

Cinco médicos para 66 mil habitantes
O grupo de trabalho que avaliou, em meados deste ano, a prestação de cuidados de saúde mental em Portugal, e a fazer um levantamento das respectivas necessidades, concluiu que, no âmbito da psiquiatria da infância e adolescência, existem apenas cinco pedopsiquiatras por cada 66 mil habitantes. No Alentejo, a desproporção é ainda mais vincada: há apenas um médico por cada 66 mil habitantes. A resposta a este problema, segundo Álvaro de Carvalho, terá de passar pelo reforço da capacidade formativa. “Só temos dois centros formativos nesta área, em Lisboa e no Porto. Quando tivermos Coimbra também a funcionar, vamos aumentar essa capacidade em pelo menos um terço”, enfatizou.

No tocante à psiquiatria de adultos, há médicos que cheguem mas estão mal distribuídos. Portugal tem dois médicos por cada 25 mil habitantes, o dobro do recomendado, mas no Alentejo, por exemplo, esse rácio desce para os 0,5 médicos por cada 25 mil habitantes. Por causa de problemas como este, o relatório, que esteve até ao final de Setembro em consulta pública, conclui: “Os tempos de espera para consulta, mormente após a alta de um episódio de internamento, facilitam os reinternamentos, obstaculizando as probabilidades de recuperação de padrões de vida compatíveis com a dignidade da pessoa portadora de doença mental”.