27.10.14

Os CEO são muito mais ricos do que aquilo que pensamos

Sérgio Aníbal, in Público on-line

Estudo feito em 40 países mostra que as pessoas desejam que uma menor diferença entre os salários dos gestores das empresas e dos outros trabalhadores. E que não fazem ideia do que se passa na realidade.

A desigualdade na distribuição dos rendimentos voltou a ser, com a crise, um dos temas que maior debate gera, mas a verdade é que, por muito que as pessoas achem que a desigualdade é grande demais, a realidade é que a diferença de salários entre os líderes das grandes empresas e os seus trabalhadores é ainda muito maior do que se pensa.

Um estudo realizado por dois economistas - Sorapop Kiatpongsan e Michael I. Norton - e publicado pela Harvard Business School “analisa como é que a percepção das pessoas em relação à desigualdade de salários praticada nas grandes empresas compara com a realidade. Foi feito um inquérito em 40 países com duas perguntas principais: Qual é que acha que é a diferença entre os salários dos presidentes executivos (CEO) das empresas e os dos trabalhadores não qualificados? E qual deveria ser, na sua opinião, essa diferença?

Em todos os países, o padrão foi o mesmo. A generalidade das pessoas defendeu que havia desigualdade a mais. Isto é, o diferencial de salários entre os CEO e os trabalhadores não qualificados que era considerado como ideal era muito menor do que aquilo que cada um dos inquiridos pensava que era a diferença de salários praticada.

No entanto, a análise não se fica por aqui. Os dois autores compararam depois estes resultados com aquilo que acontece na realidade em 16 países para os quais há dados disponíveis e a conclusão foi ainda muito mais surpreendente: a verdade é que a desigualdade salarial praticada é muito superior à que é percepcionada pela pessoas e, é claro, fica ainda mais distante do cenário considerado como ideal.

Portugal não foge à regra que se regista em todos os países. As pessoas defendem que a diferença de salários entre CEO e trabalhadores não qualificados deveria significar que os primeiros ganhariam cinco vezes mais do que os segundos, mas a realidade a que se assiste nas grandes empresas é a de que, em média, os CEO ganham 53 vezes mais.

Nos resultados apresentados pelas empresas do PSI 20 esse tipo de diferença já era notória. Comparando os salários auferidos pelos preseidentes executivos e o salário médio dos trabalhadores da sua empresa encontram-se em alguns casos diferenças ainda mais significativas. Pedro Soares dos Santos ganhou 108 vezes mais do que a média dos restantes trabalhadores da Jerónimo Martins em 2013. Paulo Azevedo mais 92 vezes na Sonae. Estes foram os dois gestores em que a diferença foi maior, um facto explicado pelos seus grupos terem um peso muito significativo do comércio a retalho onde, em média, se praticam salários mais baixos.

Portugal está longe de ser contudo o país com um maior diferencial entre a desigualdade salarial desejada e a realidade. Nos Estados Unidos, os números são particularmente impressionantes. Os inquiridos dizem que o ideal seria os CEO ganharem 6,7 vezes mais do que os trabalhadores não qualificados, mas apostam que a diferença praticada é de 30 vezes mais. A realidade, no entanto, é muito diferente: nos EUA, os CEO ganham 354 vezes mais do que os trabalhadores não qualificados.

Este é o diferencial mais marcado, mas também na Europa se registam diferenças muito significativas. Na Alemanha, a diferença ideal é um salário 6,3 vezes maior, mas na realidade é de 147 vezes. Na Dinamarca, o país em que a diferença considerada ideal é mais baixa – apenas duas vezes - a verdade é que os salários dos CEO superam em 48 vezes os dos trabalhadores.

Os resultados deste estudo reanimaram o debate sobre desigualdade no distribuição do rendimento e lançaram uma dúvida: como é que as pessoas se enganam tão redondamente sobre a verdadeira diferença salarial praticada.

O prémio Nobel da Economia Paul Krugman, uma dos economistas que mais alertas faz em relação ao agravamento registado na desigualdade durante as últimas décadas, sugeriu uma explicação. Krugman, na sua coluna no The New York Times, refere o estudo publicado pela Harvard Business School e diz que a diferença entre a percepção e a realidade se deve ao facto de os mais ricos entre os ricos serem virtualmente “invisíveis” para o resto da população, uma vez que “estão totalmente afastados das vidas das pessoas comuns”. “Nós até podemos ver, e sentirmo-nos incomodados com, jovens universitários a conduzirem carros de luxo. Mas não vemos gestores de fundos a irem do trabalho para as suas enormes mansões nos Hamptons de helicóptero”, diz o economista. Krugman defende que é essa “invisibilidade” que evita que o protesto contra as desigualdades que diz serem crescentes seja maior.

No livro que mais trouxe a debate a questão da desigualdade - "Capital no Século XXI" -, o economista francês Thomas Piketty também se refere aos ganhos dos gestores das grandes empresas como uma das causas para que tenha aumentado a desigualdade entre os 1% mais ricos e o resto da população. No entanto, apresenta este factor como secundário perante a questão mais estrutural dos ganhos de capital acima do crescimento da economia.

Para os autores do estudo – intitulado “How Much (More) Should CEOs Make? A Universal Desire for More Equal Pay” (“Quanto (mais) devem ganhar os CEO? Um desejo universal de mais igualdade nos salários”) - a conclusão mais importante que se pode retirar dos resultados do inquérito é o facto de o desejo de uma desigualdade menor ser transversal a todos os países analisados e a todos os tipos de inquiridos, apresentem-se eles como sendo de esquerda ou de direita.

Em todos os países, a desigualdade considerada ideal é sempre menor à desigualdade que é percepcionada como verdadeira. E é ainda muito mais pequena do que a desigualdade que na realidade se pratica.

Saber qual as consequências que esta opinião quase unânime deve ter em termos políticos é que pode ser mais difícil. Embora faça parte do debate, os Governos não avançaram ainda para medidas que imponham limites aos ganhos dos líderes empresariais. Os bónus auferidos no auge da crise por alguns gestores, particularmente no sector bancário, causaram bastante escândalo na altura, mas parecem estar agora lentamente a voltar a ser prática.

A política fiscal é também uma opção. Na sequência da crise, alguns países, incluindo Portugal, introduziram taxas adicionais aos rendimentos mais elevados, mas os mais críticos consideram os valores praticados como insuficientes.