20.10.14

Salário mínimo sobe hoje €20 na função pública - mas basta para fugir à pobreza?

Raquel Albuquerque, in Expresso

Funcionários públicos que recebem salário mínimo são a partir de hoje aumentados em 20 euros por mês. É o primeiro aumento em três anos. A proximidade do novo salário mínimo com o limiar de pobreza lembra que ter trabalho em Portugal não é garantia suficiente para não se ser pobre.

Os trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo começam a ver entrar na conta este mês o seu vencimento com o aumento de 20 euros. Se forem trabalhadores da administração pública, é a partir desta segunda-feira, dia 20, que começam a ver a diferença

Pela primeira vez desde 2011, os trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo começam a ver entrar na conta este mês o seu vencimento com o aumento de 20 euros. Se forem trabalhadores da administração pública é a partir desta segunda-feira, dia 20, que começam a ver a diferença. Só que mesmo com este aumento, depois de descontarem para a Segurança Social, o que entra na conta são 449,95 euros. Quem os recebe só não vive em risco de pobreza se não tiver mais ninguém a seu cargo que dependa desse salário.

Falar de como é que se vive com 449,45 euros por mês traz algumas perguntas. Quão mais alto deveria ser o salário mínimo para que cobrisse, garantidamente, todas as necessidades básicas de uma pessoa tendo em conta os custos de vida em Portugal? Os economistas justificam que não é possível responder a essa pergunta - por várias razões.

Olhar para o salário mínimo dessa forma é "pensar nele como uma espécie de rendimento mínimo garantido (RSI na nomenclatura atual)", ressalva o economista Pedro Pita Barros, coordenador da área de Políticas Sociais da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). Também Carlos Farinha Rodrigues, economista e professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), lembra que "o salário mínimo é uma questão do funcionamento do mercado de trabalho" e que não deveria ter de ser associado a um valor mínimo necessário para sobreviver.

Ainda que tenha sido originalmente instituído "com o objetivo de promover um rendimento consistente com as necessidades", como lembra João Cerejeira, economista e professor na Universidade do Minho, a verdade é que o salário mínimo nunca foi estabelecido com base nos custos de um "cabaz de bens", que permitisse definir de forma objetiva o custo de determinadas condições de vida. Até porque a própria "necessidade material" também depende das pessoas e dos agregados familiares, impedindo esse cálculo exato e individual.

Apesar de não haver resposta para a pergunta, a verdade é que muitas vezes o salário mínimo nos leva a falar no risco de pobreza da população. Mas porquê? "Associamos o salário mínimo a uma situação de pobreza porque vemos que o salário não consegue garantir essa distância em relação à pobreza. A proximidade entre ambos é um sintoma da nossa fragilidade", considera Carlos Farinha Rodrigues.

115 euros separam o salário mínimo do limiar de pobreza
Também Frederico Cantante, investigador do Observatório das Desigualdades, sublinha que quando olhamos para o salário mínimo o problema é "estarmos a falar de um nível de rendimento salarial que não permite afastar significativamente estes trabalhadores do limiar da pobreza".

No caso de um trabalhador que viva sozinho e receba o salário mínimo, aquilo que o afasta do limiar de pobreza são 115 euros e dois cálculos permitem perceber essa distância.

Por um lado, estão os atuais 409 euros do limiar de pobreza, um valor mensal mínimo de que uma pessoa precisa para não viver em situação de pobreza. Mas este é um valor calculado de forma relativa, pois corresponde a 60% do rendimento mediano do país, e não a um cálculo objetivo com base nos custos específicos de uma lista de bens necessários.

Por outro lado, como refere Farinha Rodrigues, é necessário "perceber o que significa o salário mínimo". Se um trabalhador tiver um contrato de trabalho e receber o salário mínimo, será necessário multiplicar esse valor mensal líquido (449,45 euros) por 14 meses. Esse total é depois dividido por 12 meses, para que se saiba exatamente com quanto conta um trabalhador mensalmente, durante um ano. Feitas as contas são 524 euros mensais. E é aí que está a diferença de 115 euros entre o limiar de pobreza e o valor líquido do salário mínimo mensal, incluindo os subsídios.

"Para um indivíduo a viver sozinho, a linha de pobreza é de 409 euros. Com os 524 euros mensais do salário mínimo, essa pessoa fica um bocadinho acima." Só que basta que tenha um filho ou um cônjuge sem emprego, para que já viva em situação de pobreza, o que permite distinguir duas razões essenciais para um trabalhador ser pobre: o salário baixo e o tamanho da família. "Para um casal, a linha de pobreza são 614 euros e para um casal com um filho já são 736 euros. No caso de uma mãe solteira com um filho, a linha de pobreza é de 532 euros. Se a mãe receber o salário mínimo, é de certeza pobre."

O que os dados do Instituto Nacional de Estatística mostram é que 18,7% da população vivia em risco de pobreza em 2012, o valor mais elevado desde 2009. Nos casos das famílias com filhos o risco é ainda maior (22,2%). Se olharmos para a pobreza e exclusão social, um indicador europeu que avalia se uma pessoa está abaixo da linha de pobreza, em situação de privação material ou de baixa intensidade de trabalho (bastando um destes fatores para estar em risco), então os dados mais recentes do Eurostat apontam que em 2013 essa era a situação de 27,4% da população em Portugal.

Ter trabalho não é suficiente
É difícil ir para além destas comparações de cálculos, sublinha Farinha Rodrigues. "O salário mínimo é um indicador individual e a pobreza depende da família." O que se conclui é que ter trabalho em Portugal não é uma garantia para que uma pessoa escape à pobreza, lembra.

Os números do Eurostat mostram que 10,5% da população empregada estava em risco de pobreza em 2012 e que 5,5% dos trabalhadores por conta de outrem viviam em privação material severa em 2013, ou seja, não conseguiam ter dinheiro para assegurar quatro indicadores numa lista de nove - incluindo pagar uma despesa inesperada, aquecer a casa, fazer uma refeição com peixe ou carne de dois em dois dias ou ter televisão, telefone fixo ou automóvel.

O facto de Portugal ser um dos países com maior número de trabalhadores pobres é "extremamente preocupante", na opinião de Susana Peralta, economista e professora na Nova School of Business and Economics. Ter muitos trabalhadores pobres acontece quando o acesso ao mercado de trabalho não é garantia suficiente para uma vida longe da pobreza, explica a economista, e aí Portugal está na cauda da Europa.

Mesmo sendo impossível encontrar uma resposta simples à pergunta sobre quão mais alto deveria ser o salário mínimo, há uma questão que se levanta: "É o salário mínimo a melhor forma de resolver a questão da pobreza?" Carlos Farinha Rodrigues dá duas respostas. "Sim, porque o facto de Portugal ter taxas de pobreza elevadas tem a ver com um modelo económico assente em salário baixos. Não, porque até poderíamos ter salários baixos, mas um sistema social que colmatasse esse intervalo."

As opiniões dividem-se. João Cerejeira sublinha que em Portugal o valor do salário mínimo e do rendimento mediano estão próximos, o que significa que "quando se faz um aumento do salário mínimo, isso afeta muita gente". O problema está no que depois acontece dentro das empresas pois, para o economista, o aumento do salário desincentiva uma empresa a contratar, o que pode trazer um aumento do desemprego. A alternativa poderia ser uma descida da fiscalidade sobre os salários baixos, até porque "não é por fixar um salário mínimo que se beneficia os pobres".

Frederico Cantante tem a posição oposta. "O salário mínimo não é ainda uma garantia para que os trabalhadores não se encontrem em situação de pobreza." O sociólogo acredita que aumentar o poder de compra destes trabalhadores terá, "quase de forma mecânica, um impacto no consumo das famílias e, portanto, na procura."

Susana Peralta sublinha não haver consenso nas opiniões nem na literatura em relação ao assunto. "Se o salário mínimo tem efeito na população mais pobre, então o aumento pode diminuir a pobreza, mas se tiver esse efeito no trabalho menos qualificado, tem o efeito contrário na pobreza."