28.10.14

Um só diploma vai regular tudo o que tem a ver com adopção de crianças

Andreia Sanches, in Público on-line

O novo regime jurídico deverá regular diferentes intervenções: do Ministério Público, dos tribunais, da Segurança Social, da Agência para a adopção internacional. O PÚBLICO falou com um casal que entregou os papéis em 2011. O filho chegou este ano a casa.

Ângelo e Leonor iam desistir em Agosto. Quando saíssem de Torres Vedras a caminho das férias no Algarve, com a filha de oito anos, passariam por Lisboa. Dariam um salto à Segurança Social para anular a candidatura à adopção. Não aguentavam mais estar sempre na expectativa, à espera de ouvir o telefone tocar. Tinham-se disponibilizado para receber uma criança de qualquer etnia. Tinham colocado duas condições: não ter problemas de saúde e ter até 36 meses. Tinham-se organizado para isso. Já tinham uma filha biológica mas queriam alargar a família. A adopção parecia um bom projecto.

O casal Félix — ele educador social, ela educadora de infância — tomaram a decisão de adoptar há cinco anos. Depois passaram quase dois anos até formalizarem a intenção — “porque a informação está em Lisboa, fora de Lisboa andamos empurrados de um lado para o outro, andei meses a pedir informações”, diz Ângelo. Em 2011 entregaram os papéis. Depois esperaram — “Às vezes telefonávamos ao técnico que nos acompanhava que, para além do nosso, tinha mais 300 processos. ‘Esqueceram-se de nós?’ Eles dizem, e bem, que não andam à procura de uma criança para a família, mas sim de uma família para a criança, é um processo complexo, leva tempo...” Mas tanto tempo assim, levou-o a querer desistir — a criança vem? Não vem? Ângelo falou ao PÚBLICO dias depois de o ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, dizer no Parlamento que haverá mudanças no sistema de adopção.

“Como há famílias que aguardam melhor resposta da adopção, permitam-me anunciar o seguinte: iremos melhorar todos os seus mecanismos para que sejam mais lestos, para que não durem, preferencialmente, mais que um ano na instrução do processo”, declarou Mota Soares na quarta-feira. A intenção passará por reunir num único diploma toda a matéria processual relativa à adopção, criar um regime jurídico do processo de adopção que abranja o processo judicial e o processo administrativo e que regule quer a adopção nacional, quer a internacional.

O diploma deverá contemplar as diferentes intervenções: do Ministério Público, dos tribunais, da Segurança Social e da Autoridade Central para a Adopção Internacional. Pretende-se a qualificação do processo e da informação a disponibilizar às pessoas.

O filho chegou em Junho
O PÚBLICO conheceu Ângelo e Leonor em Junho de 2011, numa reportagem sobre o Plano de Formação para a Adopção, promovido pelo Instituto de Segurança Social (ISS), uma obrigação que tinha sido introduzida havia pouco tempo. Estavam a fazer a formação, acharam útil, mas passou esse ano. E outro. E outro. E... já tinham decidido que Agosto deste ano era o limite quando numa quinta-feira do passado mês de Maio o telefone tocou.

Cinco anos depois da decisão e três anos depois da formalização da candidatura foram chamados a ler o processo de Rui (nome fictício), um menino “de etnia negra que tinha sido entregue a uma instituição depois de nascer”, em Dezembro de 2012, conta Ângelo. Leram a sua história, analisaram os exames médicos... a fotografia só lhes foi mostrada depois de dizerem que o aceitavam. “E é tão giro...” O filho “chegou em Junho”. Uma “loucura” — depois de anos de espera, é “parto e gravidez em 15 dias”, costuma dizer Ângelo a rir.

“A família está feliz”, diz. Continua a ser acompanhada pelos técnicos da Segurança Social. E está a correr bem, afirma. Foi duro esperar mas, sobretudo, continua, foi duro terem feito esperar também o filho. “Em Novembro de 2013 um tribunal decretou uma medida de adoptabilidade, só em Maio de 2014 a decisão transitou em julgado”, conta Ângelo. “Não percebo por que tem que passar tanto tempo, foram mais cinco meses que ele esteve institucionalizado do que acho que seria necessário, o que nesta idade é uma brutalidade”.

Quando o ministro diz que se vai mexer na legislação, o que sugere este pai? Que os tribunais sejam mais rápidos a decretar a situação de adoptabilidade das crianças, quando se entende que o melhor para elas é que sejam adoptadas.

Já Luis Villas-Boas, director do Refúgio Aboim Ascensão, em Faro, que presidiu o Grupo de Trabalho para a Agenda Criança, defende que não é na demora da Justiça que está o problema. “O problema é que não há intervenção precoce”, que permita detectar o perigo o mais cedo possível e intervir junto das crianças e das suas famílias.

Quanto mais cedo se intervém, mais cedo se percebe se a criança pode ficar com a família biológica ou se a solução é rncminhá-la para a adopção. “Se não há uma intervenção precoce, tecnicamente envolvente, os tribunais não têm hipótese de decretar a adoptabilidade”, diz Villas-Boas — a lei define que uma criança pode ser adoptada até aos 15 anos.