14.11.14

Aos avós e outros que tais: os jovens intemporais

Texto de Carlos Daniel Barros, in Público on-line (P3)

A sociedade trata cada vez pior as pessoas que ajudaram a dar forma ao que somos, ao que queremos ser. Chegou o momento de deixarmos de ser ilhas afectivas


Há coisas com as quais nunca conseguirei lidar e uma delas é o facto de se encarar, em muitas das vezes, os nossos idosos como uma “carga de trabalhos”, seja porque precisam de mais atenção, cuidados médicos/sociais/familiares/afectivos, seja porque chegada a 3.º idade muita gente, legitimamente, entende que não tem de fazer mais fretes e age tal e qual como o seu código de conduta dita. Afinal, a sociedade obriga-os a pensar que envelhecer é caminhar a passos largos para os paliativos.

Gostaria que víssemos, por exemplo, o papel dos avós na sociedade de hoje. Com os papás e mamãs completamente histéricos porque o trabalho está mal, ou a casa precisa de ser arrumada, quem muitas das vezes acaba por assumir um papel importante na vida dos netos são os avós. Acabam por ser uns segundos pais, talvez até mais genuínos para o desenvolvimento da criança/jovem do que os primeiros: são avós, mas ao mesmo tempo educadores; são as personagens de encantar dos netos, mas ao mesmo tempo o porto-seguro da família; são “velhinhos” mas ao mesmo tempo os mais intemporais jovens – pode começar a faltar-lhes forças físicas, mas as anímicas, aquelas que fazem dizer “eu quero, gosto ou não gosto de” e que marcam o espirito crítico daqueles netos em desenvolvimento encontram-se mais nunca!

Até há pouco tempo, e talvez por termos uma sociedade mais conservadora (da qual não digo bem nem mal) a gratidão era ainda valorizada. Era algo muito mais do que as palavras baratas do “obrigado” e “fico-lhe grato”, era o integrar dos valores que retirávamos para a nossa personalidade daquilo que aprendíamos com aqueles que nos tinham ajudado a dar forma ao que somos.

Agora, talvez porque tenhamos uma vida de risco constante (ganha-perde emprego, intimo-social exacerbados, défice de comunidade) isso torna-se mais marginal e acontece apenas quando alguma desgraça se aproxima e toda a gente quer limpar a consciência e dizer com peito cheio que esteve presente em tudo o que era possível para ajudar – uma espécie de obrigado à última da hora para limpar a consciência pelas ausências e pela entrega do idoso à mais profunda solidão.

Sugiro, se me permitem, que deixemos de lado estas fórmulas de egoísmo que temos vindo a implementar nesta coisa a que chamamos de actualidade. Assim, por favor, parem de chamar “velhos, acabados e anormais” a pessoas que investiram todas as suas qualidades para nos fazer chegar a algum lado. Todos os idosos acabam por ser nossos avós, já que foram os responsáveis por dar forma a muita da realidade que vemos hoje, merecem ver o seu empenho reconhecido. Não digo que sigamos as pegadas à risca, apenas que entendamos que a evolução só se dá quanto unimos a tradição à inovação e, por outro, que os valores de amor, dignidade e cidadania prevaleçam. Estamos mais frágeis por sermos cada vez mais ilhas afectivas.