17.11.14

Empresas pagam salários até 20% mais baixos do que antes da crise

por Ana Margarida Pinheiro, in Dinheiro Vivo

Saída de trabalhadores com mais experiência e bem remunerados por jovens qualificados e precários reduz salários pagos pelos privados. No Norte, onde predomina a indústria tradicional, as remunerações são ainda mais baixas.

"Há cinco anos contratei um diretor financeiro a quem pago 3500 euros brutos; se fosse hoje, conseguiria uma pessoa para as mesmas funções a ganhar menos 1000 euros". A frase é de um empresário português ao Dinheiro Vivo e reflete a degradação do mercado de trabalho durante os anos da crise.

João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços reconhece que houve uma forte quebra salarial: "O sector privado está a contratar a salários entre 15% e 20% inferiores". A redução, diz, é resultado da saída de trabalhadores mais antigos, substituídos por novos quase sempre a salários mais baixos.

Os dados do Inquérito aos ganhos do Ministério da Economia, referentes a outubro de 2013 (os mais recentes) também mostram uma tendência de quebra nos salários. Nos últimos três anos, o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem recuou 1,48%. No Estado, apesar de todas as políticas de austeridade, o corte nos ganhos médios foi de apenas 0,46%. Menos sete euros entre outubro de 2011 e outubro de 2013, de acordo com as contas da Direção Geral da Administração e Emprego Público. Este gap justifica o aumento da diferença entre o ganho médio no Estado (1592 euros) e no privado (1125 euros).

A penalizar o rendimento no privado estiveram o corte de suplementos salariais, a redução no pagamento das horas extraordinárias, a maior oferta de empregos a tempo parcial e, fundamentalmente, a troca de funcionários mais antigos e por isso mais bem remunerados, por pessoas mais jovens, a preços mais baixos.

António Marques, presidente da AI Minho, não tem "ideia de que haja um movimento concertado de baixa de salários". No entanto, afirma que "é mais do que comprovado que as empresas estão a trocar trabalhadores com salários mais elevados por jovens com salários mais baixos". Aponta dedos a um culpado: o desemprego. Os cálculos da AI Minho apontam ainda para uma acentuação das diferenças entre as remunerações praticadas no Norte e no Sul do País. "No Sul, os salários praticados chegam a ser 20% a 25% superiores aos do Norte", onde a indústria tradicional predomina e faz com que "seja sempre prejudicada".

As ofertas de emprego online mostram a tendência para pagar o mínimo possível. As propostas mais bem remuneradas destinam-se a empregos no estrangeiro, como Angola ou Moçambique, para cargos financeiros ou na área da engenharia e construção. Quando se limita a área geográfica a Portugal, os salários caem a pique: há várias ofertas entre os 600 e 700 euros para engenheiros, arquitetos e enfermeiros. Há uma outra conquista da crise: as empresas pedem cada vez mais "recém formados", para que a menor experiência laboral possa justificar menor remuneração.

Nas contas da CGTP, a troca de trabalhadores mais antigos por mais novos, a não atualização de salários, o corte de horas extraordinárias e o fim de quatro feriados, a somar à subida dos impostos, levou a que o encargo das famílias dependentes do sector privado tenha subido 7,2 mil milhões de euros nos últimos três anos. São mais 2057 euros a cada um dos 3,5 milhões de trabalhadores do privado.

"É uma diferença monumental", afirma Arménio Carlos, que lembra também um outro fator de desvalorização: "As políticas ativas de emprego que baixam os salários, ao colocarem trabalhadores ao serviço das empresas por um valor inferior ao que deviam obter". Pior: "Estas medidas, que partem de um bom princípio, estão a ser mal utilizadas e financiam as empresas que, chegando ao fim do programa, devolvem aquelas pessoas aos centros de emprego".

As medidas à empregabilidade têm sido um dos fatores que têm ajudado a baixar a taxa de desemprego, que recuou para 13,1% no terceiro trimestre deste ano. Mas as empresas também já estão a contratar. A preços baixos - no final de setembro, de acordo com as estatísticas do Emprego, havia mais 43 mil trabalhadores por conta de outrem, públicos e privados, com salários mensais entre 310 e 600 euros. São 30% do total.