17.11.14

Orçamento do Estado para 2015 e os pobres

José António Pinto, in Público on-line

Este orçamento não é o possível — é o orçamento da mentira, dos sacrifícios em vão, do esforço colectivo que penaliza os mais frágeis.

Os construtores de opinião ao serviço do regime já se pronunciaram sobre este documento que tem força de lei: dizem eles, com convicção, que não é um orçamento eleitoralista nem a pensar nas pessoas. Eu não sou comentador político, mas digo que se trata de um orçamento ideológico e com uma forte marca de natureza de classe.

As pessoas pobres vão, em 2015, vivenciar uma situação social ainda mais precária e dependente. A pobreza vai tornar-se mais severa, persistir no tempo e atingir mais pessoas. As desigualdades sociais vão acentuar-se. A Segurança Social vai despedir centenas de trabalhadores, a qualidade das respostas sociais vai deteriorar-se.

Com o agravamento da carga fiscal, os produtos de consumo vão ficar mais caros, o poder de compra dos beneficiários de baixas prestações sociais vai diminuir. Com a criação de um tecto máximo para o pagamento das prestações sociais em 2015 aprofunda-se a opção política de direita deste Governo de redução de despesas em pensões de sobrevivência, de velhice e invalidez, subsídio de doença de desemprego, abono de família, rendimento social de inserção (RSI), complemento solidário de idosos (CSI).

No momento em que as pessoas mais precisam da protecção social do Estado, este Governo decide poupar cem milhões de euros na atribuição das prestações sociais para sacrificar os mais vulneráveis e poupar dinheiro à custa dos que mais necessitam de ajuda para não cair no risco de pobreza ou romper com o seu ciclo de exclusão social.

O RSI e o CSI vão sofrer uma redução de 2,8% e 6,7%, respectivamente, segundo a proposta de Orçamento do Estado para 2015. Na prática significa que haverá menos 14,3 milhões de euros para o CSI. O RSI vai ter menos 8,30 milhões de euros. O abono de família segue a mesma tendência: fica com apenas 639,04 milhões de euros, o que significa uma redução de 1%, menos 6,49 milhões de euros. Em 2010, o RSI contava com 526 mil beneficiários, em 2013 só recebiam esta prestação 360 mil. Em 2010, havia 247 mil beneficiários de CSI, em 2013 o número já diminuiu para 238 mil.

No que diz respeito ao subsídio social de desemprego, foi a prestação que mais contribuiu para a diminuição da protecção social aos desempregados. Nos últimos anos, o regime de subsídio de desemprego sofreu várias alterações e neste momento 45% dos desempregados continuam sem ter acesso a qualquer tipo de apoio.

No Orçamento para 2015 haverá menos 243 milhões para subsídios de desemprego e apoio ao emprego. Menos dinheiro para proteger as pessoas na doença, na velhice e no desemprego, mais dificuldade para ter acesso a estes apoios, um valor do cheque ou do vale postal mais reduzido e o tempo de duração destes subsídios mais curto.

Esta opção política é inevitável? Não. Existia outro caminho e outra alternativa? Claro que sim. Quando o Governo em reunião de Conselho de Ministros decide baixar o IRC das grandes empresas de 23% para 21%, significa que esta injustiça fiscal permite ao Estado perder no Orçamento de 2015 mais de 892 milhões de euros. Os lucros líquidos da EDP só no primeiro semestre de 2014 foram de 502 milhões de euros. Com uma taxa de IRC de 25% pagaria 125,5 milhões de euros ao Estado. Com uma taxa de 21% pagará apenas 105,4 milhões, ou seja menos 20,1 milhões de euros.

Em 2015, o Estado vai gastar com o negócio das rendas das parcerias público-privadas 924 milhões de euros nos contratos rodoviários, 400 milhões na área da saúde e 49 milhões na área da segurança.

Portugal tem pago por ano, tal como plasmado por exemplo no Orçamento do Estado para 2014, perto de 7,2 mil milhões de euros apenas em juros da dívida pública. Esse valor, que representa cerca de 4,3% do PIB, é muito próximo daquele que o Estado gasta com o Sistema Nacional de Saúde ou com a Educação, as maiores rubricas do Orçamento do Estado. Os juros da dívida em termos financeiros consomem o equivalente aos custos de um resgate de um BPN por ano.

Taxar as grandes fortunas em 1% permitiria ao Estado encaixar uma receita de 1700 milhões de euros, mas outras iniciativas políticas poderiam ser tomadas para garantir recursos, dignidade e protecção às pessoas em situação de desfavorecimento e vulnerabilidade social. Quer isto dizer que este orçamento não é o possível — é o orçamento da mentira, dos sacrifícios em vão, do esforço colectivo que penaliza os mais frágeis.

Nas próximas eleições legislativas, as pessoas pobres ou em risco de pobreza saberão castigar nas urnas e com a força do seu voto a governação que lhes destruiu a vida. Até lá, é preciso continuar a lutar para renegociar a dívida, deixar de vender ao desbarato as nossas empresas públicas, incentivar o investimento público, combater a fuga e a evasão fiscal, deixar de dar incentivos fiscais ao grande capital, ter vergonha na cara e acabar com as rendas das parcerias público-privadas, promover o crescimento económico e o emprego com direitos.