28.1.15

Santa Casa. Quando a dedicação vai além do horário de trabalho

Por Isabel Tavares, in iOnline

Ajudar os mais desfavorecidos está no ADN da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mas a responsabilidade corporativa de qualquer instituição é feita por pessoas. Neste caso, os colaboradores encheram-se de ideias e de voluntarismo e colocaram no terreno

É certo que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem como missão ajudar os mais desfavorecidos e a acção social está no ADN da instituição. Mas a responsabilidade social vai muito além da obrigação corporativa e os colaboradores organizaram--se em diversos projectos que se estendem para lá do seu horário de trabalho e não são pagos.

Algumas destas iniciativas em regime de voluntariado correram tão bem que já vão na quarta edição. É o caso do programa Reparar, através do qual já foram recuperadas 77 casas e no qual participaram 840 voluntários, incluindo colaboradores das empresas apadrinhadoras, que são 45. Os custos suportados ascendem a 312 mil euros.

Mas há outros temas que se vão repetindo, como Um Dia Pelo Ambiente. Estas actividades são coordenadas por equipas da Santa Casa, mas em muitos casos contam também com a colaboração de empresas, que custeiam as operações, enquanto os seus trabalhadores dão a mão-de- -obra.

Para centralizar todas as acções, a Santa Casa criou em 2008 o Departamento da Qualidade e Inovação (DQI), um serviço de apoio estratégico que promove projectos num quadro de sustentabilidade e responsabilidade social e em que também são desenvolvidas e apoiadas as actividades de voluntariado.

Nesta altura a Santa Casa tem a decorrer, além dos programas já referidos, outras iniciativas de âmbito social. Este ano, e pela segunda vez, será feita uma contagem de sem-abrigo no concelho de Lisboa. Até então não existiam dados oficiais sobre esta realidade: quantos são, quem são, onde estão. O objectivo é dar um rosto a estas pessoas de quem tanto se fala em abstracto e tornar mais fácil a ajuda e a procura de soluções, tentando uma organização mais eficiente e eficaz. O modelo seguido no fim de 2013 será repetido.

Embora tenha mais de cinco séculos, a Santa Casa publicou o ano passado pela primeira vez um relatório de sustentabilidade. A ideia é pegar nesses resultados e preparar o futuro.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem actualmente cerca de 6 mil trabalhadores e 400 estabelecimentos. Um dos objectivos é conhecer a sua pegada ecológica e perceber onde pode, por exemplo, reduzir consumos, adoptando novos comportamentos que permitam aumentar a eficiência energética. Mas há muito mais, e o desafio é dar lastro a uma responsabilidade social também do ponto de vista corporativo.



Programa Reparar procura empresas para alargar âmbito do apoio técnico

A primeira fase de reparações vai realizar--se entre Março e Junho. As casas já estão a ser identificadas

A ideia surgiu porque os técnicos do serviço de apoio domiciliário, prestado sobretudo a idosos, se confrontavam todos os dias com pessoas a viver isoladas, sozinhas e em casas degradadas pelo tempo.

Depressa perceberam que, para viver com conforto, estes idosos precisavam de muito mais que cuidados pessoais de alimentação, higiene e saúde. Ou, dito de outra forma, de pouco mais. Bastava mudar coisas pequenas como uma lâmpada, limpar um candeeiro ou arranjar uma janela empenada para tornar a vida destas pessoas mais viva. “Não pretendemos substituir-nos ao senhorio (e as obras não podem ser realizadas em habitações de propriedade pública), mas apenas ajudar nas tarefas que as pessoas, pelos seus meios, físicos ou económicos, não conseguem resolver”, explica Sónia Silva, do Departamento de Qualidade e Inovação.

Sem dinheiro, um grupo de voluntários montou o projecto e foi à procura de empresas para custear as intervenções, enquanto os colaboradores ofereciam a mão-de-obra. Uma coisa levou a outra e aos pequenos consertos seguiram-se pinturas, substituição de soalhos, reparações eléctricas. Agora a Santa Casa quer alargar as reparações a outras valências, como a canalização ou o gás, para o que precisa de técnicos especializados. E está à procura de empresas que queiram juntar-se à causa.

Foi assim que começaram os arranjos no campo da electricidade, conta Sónia Silva. “A Fundação EDP, que é nossa parceira noutros projectos, participou com uma bolsa de electricistas voluntários”, por exemplo. E nas intervenções mais profundas há uma empresa de construção civil que se encarrega dos trabalhos preparatórios.

Neste momento, e até sexta-feira, estão a ser identificadas as casas que serão intervencionadas, entre obras mais superficiais e outras mais profundas. A primeira fase terá lugar entre Março e Junho e a segunda um pouco mais tarde, de Setembro a Novembro.



Um Dia Pelo Ambiente promete cuidar das propriedades públicas

No ano passado os voluntários participaram na reflorestação de uma propriedade pública

Neste caso, e ao contrário do projecto Reparar, que tem voluntários, empresas e individuais, externos, Um Dia Pelo Ambiente é uma acção interna, na qual podem participar os colaboradores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).

No ano passado o dia foi o 10 de Abril e a missão plantar 2500 árvores na Herdade Vale de Lobos, em Alagoa, Portalegre, uma propriedade legada à Santa Casa pela benemérita Delmira Maçãs. A actividade estava limitada à participação máxima de 50 trabalhadores, por motivos logísticos, já que o transporte foi assegurado pela instituição.

Esta acção é desenvolvida no âmbito da estratégia de sustentabilidade e intervêm, além do Departamento de Qualidade e Inovação, o Departamento de Gestão Imobiliária e Património, que tem como função gerir o património imobiliário da SCML, dispondo de orçamento e conta próprios, que integram o orçamento geral da instituição.

A missão é preservar, reabilitar e rentabilizar o património existente, grande parte doado, gerando receitas que possam reverter para as causas apoiadas e actividades desenvolvidas pela SCML nas áreas da acção social, da saúde, da educação e da cultura.

Os objectivos desta acção são contribuir para minimizar a pegada ecológica da Santa Casa – proteger o solo e recursos hídricos, ajudar no sequestro de carbono, proteger a paisagem e a biodiversidade –, promover a responsabilidade social e ajudar a preservar o património natural da instituição, que é pública.

Esta é já a quarta edição do programa, que os colaboradores consideram inesquecível e que se realiza todos os anos desde 2012 perto da data de início da Primavera, entre 21 e 23 de Março. Em anos anteriores já foram plantados pinheiros--mansos e freixos, numa área total que se aproxima dos 15 hectares.

A actividade deste ano, que deverá coincidir com o Dia Mundial da Árvores, está já a ser preparada.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa encontrou 852 sem-abrigo na capital, numa contagem feita a 12 de Dezembro de 2013, com o apoio de centenas de voluntários que percorreram toda a cidade. Foi o resultado final de um trabalho desenvolvido pela equipa do “Programa Intergerações | InterSituações de Exclusão e Vulnerabilidade Social”, que este ano se vai repetir e que tem como objectivo concertar estratégias, públicas e privadas, de assistência e reintegração dos sem-abrigo.

A Santa Casa quer adequar os horários e serviços dos espaços de acolhimento às necessidades reais da população que vive nas ruas, permitindo-lhe, por exemplo, acesso a cuidados de saúde. Com o diagnóstico feito, torna-se mais fácil e eficaz orientar o esforço de reintegração, explica ao i Rita Chaves, directora do Departamento de Sustentabilidade e Inovação da Santa Casa.

No ano em que a contagem foi feita – contagem cujo modelo será agora repetido –, um terço dos sem-abrigo estavam na rua há menos de um ano e 66,8% ainda mantinham contactos familiares. Ainda um terço tinha o ensino secundário, técnico ou superior (4,6% têm qualificações superiores). Estes dados permitem encontrar soluções.

Concretamente, este trabalho permitiu à Santa Casa criar um núcleo de ligação para acompanhar esta população vulnerável, recorrendo, como mediadores, a pessoas que estiveram, também elas, sem tecto no passado. E pôr em marcha um Centro de Recuperação de Competências Psicossociais, uma espécie de ponto de encontro para promover a reinserção na vida activa e o reatamento de ligações com a família.

Em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa, a Santa Casa planeou ainda um Centro de Alojamento de Transição, assumindo-se com um espaço de transição (até nove meses) para dar as condições necessárias à reorganização da vida enquanto cidadãos.