16.2.15

Um em cada cinco suicídios tem a ver com o desemprego

Ana Gerschenfeld, in Público on-line

O fenómeno é global – e causa nove vezes mais suicídios do que a recessão económica, conclui um novo estudo.

Cada ano, cerca de 45.000 pessoas põem fim à vida porque estão desempregadas. E isso já acontecia antes da recessão económica dos últimos anos – embora a crise global de 2008 tenha obviamente exacerbado a situação. Esta é a principal conclusão de um artigo publicado nesta quarta-feira na revista The Lancet Psychiatry por investigadores Universidade de Zurique (Suíça).

Já se sabia que existe uma relação entre desemprego e suicídio, explica em comunicado aquela instituição. Mas em geral, os especialistas têm-se focado apenas no pós-crise de 2008 e apenas num dado país ou região do mundo.

Agora, pela primeira vez, a equipa do sociólogo Carlos Nordt fez uma análise mais dilatada no tempo, com base em dados recolhidos entre 2000 e 2011. E em termos geográficos, o novo estudo também é muito mais abrangente do que os anteriores, considerando quatro regiões: América do Norte e do Sul; Europa do Norte e Ocidental; Europa do Sul e Oriental; e fora da Europa e América.

Para determinar quantos suicídios tiveram a ver com o desemprego durante a primeira década do século XXI, os cientistas recorreram, por um lado, aos dados de mortalidade de 63 países, incluindo Portugal, vindos da Organização Mundial da Saúde (OMS); e, por outro, a dados sobre as respectivas situações económicas desses mesmos países vindos do Fundo Monetário Internacional. Contudo, ficaram excluídos, por falta de dados, a China e a Índia, bem como grande parte de África. Isso explica, como faz notar Carlos Nordt ao PÚBLICO num email, que o número total de suicídios por ano estimado no estudo ronde os 230.000, ao passo que estimativa global da OMS para 2012 é de 800.000.

Com base nos seus cálculos estatísticos, os autores concluem, como já se suspeitava, que o desemprego associado à crise de 2008 provocou efectivamente um excesso de suicídios: cerca de 5000. Mas os novos resultados revelam uma realidade bem mais assustadora: mesmo em tempos de estabilidade económica (anos antes da crise), cerca de 45.000 pessoas suicidaram-se por ano porque não tinham emprego. Ou seja, o estudo mostra que o número de suicídios anuais associados ao desemprego é nove vezes maior do que o número directamente relacionado com a crise.

“O que isto quer dizer é que se nos focarmos apenas no ‘ano da crise’, estamos a subestimar o efeito do desemprego na taxa de suicídios”, disse-nos Nordt. “Por exemplo, se a taxa de desemprego era de 7% antes da crise e passou a ser de 10% durante a crise, analisar apenas o ano da crise leva-nos a estimar o efeito de apenas 3% do desemprego. Ora, é óbvio que, mesmo com uma taxa de 7% de desemprego, muitas pessoas já tinham, antes da crise, um risco de suicídio mais elevado.”

Assim, cerca de um suicídio em cada cinco é devido ao desemprego e, em todas as regiões consideradas, o risco de uma pessoa desempregada se suicidar é 20 a 30% mais elevado do que o risco de uma pessoa empregada se suicidar.

Os resultados mostram também que, de uma forma geral, tanto as mulheres como os homens, e tanto os mais novos como os mais velhos, são vulneráveis face às variações da taxa de desemprego.

Todavia, diz Nordt no referido comunicado, o estudo “sugere que nem todas as perdas de emprego têm o mesmo impacto: o efeito sobre o risco de suicídio parece ser mais forte nos países onde estar desempregado é uma situação invulgar. É possível que um aumento imprevisto do desemprego desencadeie maiores receios e insegurança nesses países do que naqueles com níveis de desemprego [normalmente] mais elevados”.

Interrogado mais especificamente sobre a situação portuguesa e de outros países do Sul da Europa particularmente afectados pela crise (Grécia, Irlanda e Espanha), Nordt diz-nos acreditar “que Portugal foi o mais afectado em termos de suicídios ligados ao desemprego” – ressalvando contudo que “a qualidade dos dados disponíveis (o número registado de suicídios) era bastante fraca”, já que faltavam os anos de 2004 a 2006. Quanto à evolução da situação de Portugal desde 2011 – e ao impacto da austeridade sobre as taxas de suicídios –, o cientista responde-nos que tem dados relevantes.

Uma outra conclusão notável do estudo é que os suicídios associados à actual recessão económica mundial começaram a aumentar seis meses antes do início “oficial” da crise em 2008. “A evolução do mercado de trabalho foi claramente antecipada e as incertezas relativas à situação económica já tiveram, naquela altura, consequências negativas”, diz o psiquiatra Wolfram Kawohl, co-autor do estudo. “O aumento da pressão no local de trabalho – nomeadamente através das restruturações – pode portanto fomentar os suicídios.”