27.3.15

«Falta um plano de combate à pobreza»

Texto Domingos Pinto | Foto Ana Paula, in Fátima Missionária

O recado ao poder político é do presidente da Cáritas Portuguesa, no contexto da crise que atinge o país, e foi uma das preocupações manifestadas no último Conselho Geral da instituição, realizado no Porto


Em entrevista à FÁTIMA MISSIONÁRIA, Eugénio da Fonseca considera que o acordo com os credores internacionais não era minimamente exequível, e sublinha que «não tem havido vontade política» para resolver «as situações mais agressivas da pobreza». Neste contexto, o Presidente da Cáritas pede consensos e coragem aos partidos políticos para assumirem «compromissos pré-eleitorais», independentemente do resultado do voto dos portugueses.

FÁTIMA MISSIONÁRIA Uma das conclusões que se destaca do Conselho Geral da Cáritas é a ideia de que a família Cáritas não pode desperdiçar o património da doutrina social da Igreja. O que é que motivou esta chamada de atenção?

Eugénio da Fonseca Todos temos consciência que há um distanciamento muito grande entre aquilo que é o ensinamento social da igreja e aquilo que os cristãos sabem sobre a mesma. Temos que ter cristãos mais conscientes das suas responsabilidades sociais, económicas e políticas, se queremos ter um país de maior progresso, e não nos ficarmos pelas lamentações.

FM No discurso de abertura do encontro apelou a que se revejam as condições de pagamento da dívida portuguesa, porque elas - e estou a citar - «condicionam o atual orçamento de Estado que continua a penalizar as famílias portuguesas».

EF Permitam-me esta imodéstia, mas logo que me deram oportunidade de ter acesso à realidade da dívida soberana portuguesa, percebi que o memorando aprovado com as instituições que formavam a Troika não era minimamente exequível sem exigir o esforço dramático que viemos depois a constatar. Agora já estamos livres da presença física da Troika, mas não estamos libertos, e ainda há pouco tempo isso foi dito claramente pela União Europeia, que ficámos sob vigilância. Eu acho que devia ser uma vigilância solidária e não uma vigilância punitiva, porque se chegámos a esta situação, é porque houve pouca solidariedade, particularmente por parte daqueles que a deveriam ter exigido, que são os nossos parceiros europeus.
Por isso, para podermos ser respeitadores dos compromissos que assumimos – e eu defendo que a dívida se deve ir pagando – baixemos as taxas de juro, vamos rever prazos, ou continuamos com medidas de austeridade.

FM Deixou também um recado aos decisores políticos no contexto das eleições que se aproximam …

EF Em primeiro lugar desejo muito que seja um período patriótico, onde, acima de tudo, estejam os interesses da nação. Penso que se deveriam fazer programas eleitorais mais claros para que não aconteça que se vote apenas contra alguém e não a favor de ideias importantes, viáveis, realistas para o nosso país. Acho que os partidos deviam ter a coragem de assumir compromissos pré-eleitorais, independentemente de quem ficasse depois a governar. Refiro, por exemplo, o papel do Estado, que Estado queremos, que condições vamos dar à sociedade civil para que ela seja efetivamente fortalecida.

FM No comunicado final é sublinhada a ideia que “o pobre não deve ser objeto, mas sim sujeito”. Acha que tem havido uma instrumentalização política da pobreza?

EF Primeiro, ainda não resolvemos de verdade as situações mais agressivas da pobreza, porque não tem havido vontade política para o fazer. Agora as coisas vão mudar de figura porque temos gente em idade ativa que caiu na pobreza, e, se calhar, é melhor começarem a pensar que os pobres vão passar a votar. Por outro lado, o que tem acontecido são medidas avulsas. Ou seja, falta um plano estratégico de combate à pobreza, que deve depender diretamente do primeiro-ministro, porque as soluções não estão apenas ao nível da segurança social, da solidariedade e do trabalho; tem muito a ver com a justiça, com a economia, com as finanças, com a educação e com a saúde. Portanto, dada esta transversalidade, devia encontrar-se um plano devidamente mensurável para depois quem o planifica poder prestar contas.

Também teremos que tomar consciência de que os recursos financeiros disponibilizados para este combate devem ser canalizados para as pessoas e não para as estruturas, que muitas vezes estão carregadas de metodologias burocráticas que fazem gastar mais de 70 por cento dos orçamentos dos projetos de combate à pobreza, e às pessoas chegam os restos desses dinheiros. Portanto, há aqui uma revolução a fazer, mas para isso é preciso vontade política e articulação entre todos os agentes sociais, para evitarmos trazer para este combate qualquer tipo de protagonismo pessoal, institucional ou político, mas fazermos das pessoas, neste caso dos pobres, protagonistas desta ação, deste combate.