26.5.15

Um em cada três utentes de instituições de solidariedade ainda diz passar fome

Romana Borja-Santos, in Público on-line

Estudo referente a 2014 encontrou dados mais positivos do que em 2012. No entanto, as famílias têm rendimentos semelhantes e em mais de 50% dos casos admitiam não ter dinheiro suficiente para viver.

Mais de metade das pessoas que recorreram ao apoio das instituições de solidariedade social no ano passado nunca tinham um rendimento familiar suficiente para viver. Além disso, outro terço dos utentes só em alguns meses conseguia ter uma quantia que desse para cobrir as despesas. Os dados fazem parte de um trabalho desenvolvido pela Universidade Católica Portuguesa para o Banco Alimentar contra a Fome e a associação Entreajuda, que concluiu também que 33% das pessoas tiveram falta de alimentos ou mesmo fome em 2014.

O estudo Utentes de Instituições de Solidariedade Social – Uma abordagem à Pobreza nesta população, publicado nesta segunda-feira, contou com inquéritos a 1889 utentes apoiados por 216 instituições de solidariedade social. Em metade dos casos o rendimento familiar é inferior a 400 euros mensais, com 25% das famílias a receberem ainda menos de 250 euros. Só 28% dos inquiridos recebiam mais de 28%, o que são números em linha com os obtidos num trabalho semelhante em 2012. Regra geral, os agregados com menores rendimentos correspondem também aos inquiridos com menor escolaridade.

No total, 53% dos utentes inquiridos disseram que “o rendimento da família nunca é suficiente para viver e 33% que às vezes é suficiente”. Só 14% disseram que o rendimento é suficiente para viver. Mesmo assim, nas perguntas relacionadas com as percepções há diferenças. Em 2010, cerca de 72% das pessoas diziam sentir-se pobres. O número disparou para os 82% em 2012 e voltou a cair agora para os 79%. Quase 40% dos inquiridos estavam desempregados e perto de 30% já reformados. Em 66% das situações havia pelo menos um desempregado no agregado familiar, que em média tinha três pessoas.

O estudo não apresenta uma explicação para esta percepção mais positiva perante rendimentos mensais semelhantes aos de 2012. Mas a investigadora Tânia Correia, uma das autoras do estudo do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa, adiantou ao PÚBLICO que esta melhoria “possivelmente” pode ser atribuída a “uma adequação das expectativas a uma nova realidade que as pessoas têm vivido nos últimos anos” e a um reforço do papel das instituições de solidariedade. Mas reforça que “não nos podemos esquecer que cerca de 80% dos respondentes sentem-se pobres”.

No entanto, o estudo sublinha que “existem diferenças no sentimento de pobreza entre os vários escalões etários: o grupo dos idosos continua a ser aquele onde menos respondentes dizem sentir-se pobres” e “entre os indivíduos que se sentem pobres destacam-se sobretudo aqueles que têm idades inferiores aos 65 anos, com rendimentos baixos e com escolaridade abaixo do ensino secundário”. Tânia Correia lembra que na base destes dados podem estar situações como o “desemprego de longa duração ou a divisão do rendimento por mais elementos da família, tanto com filhos como com pais a cargo”.

Concretamente sobre a fome, o trabalho indica que 20% dos inquiridos admitiram ter tido falta de alimentos ou sentido fome alguns dias por semana nos seis meses antes do estudo. A estes somam-se os 13% que disseram ter tido fome pelo menos um dia por semana. Tânia Correia salienta que “a situação alimentar dos utentes melhorou”, mas alerta que “a situação de muitos destes utentes é ainda preocupante” já que “este é um projecto levado a cabo junto de instituições apoiadas pelo Banco Alimentar e a Entrajuda e, como tal, a ajuda alimentar é a mais procurada pelos utentes”. Aliás, em 87% dos casos a ajuda traduz-se em cabazes ou refeições.

Cerca de 28% dos inquiridos referiu não ter dinheiro para comprar comida até ao final do mês e 43% refere que tal lhes acontece às vezes. A casa e a alimentação continuam a ser as duas principais despesas, mas há ainda 39% dos inquiridos a referirem os gastos com a saúde. Isto quando 47% das pessoas referiram que “o próprio ou alguém do seu agregado familiar sofre de uma doença ou deficiência” e quando 17% referiram ter deixado de comprar medicamentos várias vezes, sempre por falta de dinheiro.