1.6.15

"Eu não quero mais dinheiro, só quero a minha liberdade. Tenho direito a ela"

por Rui Pedro Antunes, in Diário de Notícias

Moammar está desiludido com Portugal porque as promessas que lhe fizeram não foram cumpridas. Gosta dos portugueses mas quer voltar para a Síria.

A vida de Moammar em Portugal não foi o que sonhou quando entrou no avião na base de Guantánamo rumo ao aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa. Ao DN, o sírio ex-detido de Guantánamo denuncia erros dos serviços portugueses, falta de respeito pela cultura árabe e promessas não cumpridas. "Prometeram dar-me a nacionalidade portuguesa, prometeram-me condições de vida e não cumpriram. O governo português é pior do que a máfia. Porque a máfia tem palavra", acusa Moammar Dokhan.

E acrescenta: "Agradeço a Portugal, porque estes cinco anos e meio foram tão maus que me fizeram esquecer os sete em Guantánamo." Moammar sente-se um "detido em Portugal" e lamenta: "Não tenho trabalho. Não tenho futuro. Não posso ir para o meu país. Não posso sair de Portugal."

O regime legal em que se enquadra o ex-prisioneiro de Guantánamo é sui generis, pois passou da custódia norte-americana para a portuguesa. Não sendo acusado de nada, era suposto usufruir de total liberdade, o que não acontece, pois não tem direito à cidadania nem a sair do país. "Já tive passaporte, mas tiraram-mo sem justificação", conta. A "restituição à liberdade" - como lhe chamou o governo português - tem fortes limites.

Quando ele e outro sírio chegaram a Portugal, o Ministério da Administração Interna (MAI) destacou que "tais cidadãos, que manifestaram interesse em ser acolhidos por Portugal, não são objeto de qualquer acusação, são pessoas livres e estão a viver em residências cedidas pelo Estado, que está a desenvolver as diligências tendentes à sua integração na sociedade portuguesa".

Os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deram-lhe um visto de residência (ainda válido hoje), mas que não lhe dá liberdade para circular no espaço Shengen, apenas para entrar e permanecer em território nacional.

O MAI esclareceu logo em comunicado no dia da chegada dos ex-detidos que o "regime apenas vincula o Estado português, necessitando os referidos cidadãos de vistos adicionais para se deslocarem ao território de outro Estado membro da União Europeia".

O governo português lembrava que "a decisão de acolhimento teve por base informações colhidas junto das autoridades norte-americanas e foi precedida de reuniões entre um elemento do SEF e os representantes legais dos ex-detidos e da avaliação da sua capacidade de integração".

Era ainda destacado no mesmo comunicado que "o acolhimento dos dois cidadãos sírios em território nacional foi decidido pelo governo português na sequência de pedido expresso das autoridades norte-americanas."

O executivo de José Sócrates regozijava-se: "Recorda-se que o governo português manifestou, desde a primeira hora, disponibilidade para ajudar o presidente Barack Obama e a administração norte-americana a encontrar soluções de acolhimento para as pessoas que estiveram detidas em Guantánamo."

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Este é o último de três capítulos em que o DN conta a história de um ex-prisioneiro de Guantánamo a morar em Portugal, Moammar Badawi Dokhan. A adesão aos talibãs e a detenção (publicado na edição de sábado do DN e já disponível na íntegra), os sete anos e meio de prisão e tortura em Guantánamo (publicado ontem e disponível na íntegra) e o quotidiano em Portugal são as três vidas do sírio de 42 anos. O trabalho, que foi cotejado com informações das autoridades portuguesas e norte-americanas, resulta de dezenas de horas de conversa ao longo de cinco meses.