12.6.15

Pobreza aumentou para níveis do início do século

João Carlos Santos, in Expresso

As políticas de austeridade resultaram, na opinião de Carlos Farinha Rodrigues, num "recuo" dos principais indicadores sociais. Já o aumento das desigualdades "colide fortemente" com o argumento de que a austeridade tentou "isentar as famílias e os indivíduos mais pobres"

A evolução dos números da pobreza e da distribuição dos rendimentos foi retratando ao longo dos últimos quatros a forma como mudaram as condições de vida das famílias e do país.

Na opinião de Carlos Farinha Rodrigues, professor do ISEG e membro da direção do Institute of Public Policy Thomas Jefferson-Correia da Serra, os dados sobre a pobreza, distribuição de rendimentos, desigualdades e prestações sociais "expressam de forma muito clara as principais consequências sociais das políticas desenvolvidas na presente legislatura: a quebra dos rendimentos das famílias, o refluxo das políticas sociais e em particular daquelas dirigidas aos sectores mais vulneráveis da população, o agravamento da pobreza e das desigualdades".

"As políticas de austeridade seguidas, a pretexto do acordo assinado com os credores internacionais mas indo muito além do que esses acordos estabeleciam, traduziram-se num recuo dos principais indicadores sociais. Entre 2009 (último ano pré crise e pré medidas de austeridade) e 2013 (último ano de que dispomos dados do INE), a taxa de pobreza aumentou de 17,9% para 19,5%. Este valor reconduz-nos aos níveis de pobreza registados no início do século. De facto, é necessário recuar a 2003 para encontrar um nível de pobreza superior ao verificado em 2013", explica.

"A intensidade da pobreza, uma medida de quantos pobres são os pobres, alcançou em 2013 o valor de 30,3%. Este valor constitui não somente um pesado agravamento face aos valores ocorridos nos anos anteriores mas constitui mesmo o valor mais elevado desde o início da série pelo INE em 2004. Comportamento similar registaram os indicadores de privação material, traduzindo uma forte degradação das condições de vida das famílias."

Quando se olha para a taxa de pobreza, há outro número a salientar, segundo o economista. "Uma das consequências mais dramáticas da crise económica e das políticas seguidas nos anos recentes foi o forte agravamento do número de crianças e jovens em situação de pobreza: a taxa de pobreza das crianças e dos jovens aumentou, entre 2009 e 2013, mais de três pontos percentuais passando de 22,4% para 25,6%."

Carlos Farinha Rodrigues destaca ainda o "agravamento das desigualdades" como "traço marcante" das políticas seguidas.

"Apesar da leitura dos indicadores ser nesta vertente mais complexa o padrão do aumento das assimetrias na distribuição do rendimento é nitidamente identificável: o índice de Gini, a medida mais utilizada na medida da desigualdade, sofreu ligeiras alterações ao longo deste período parecendo sugerir que para o conjunto dos rendimentos familiares não se registaram alterações significativas ou, quanto muito uma ligeira subida. Entre 2009 e 2013 este índice aumentou de 33,7% para 34,5%."

"No entanto, se considerarmos um outro indicador de desigualdade estimado pelo INE, que mede a distância que separa os rendimentos dos 10% mais pobres dos rendimentos dos 10% mais ricos (indicador S90/S10) verificamos que, entre 2009 e 2013, este indicador passou de 9,2 para 11,1. O aumento contínuo ao longo destes anos do fosso que separa as famílias e os indivíduos mais ricos dos mais pobres constituiu o principal traço da evolução das desigualdades neste período."

A conclusão, na opinião de Farinha Rodrigues, é clara: "O padrão de evolução da desigualdade na distribuição do rendimento atrás exposto colide fortemente com um dos principais argumentos evocado pelos actuais decisores políticos: o de que as políticas de austeridade, como os cortes dos salários e das pensões, tentaram sempre isentar as famílias e os indivíduos mais pobres."

Com base nos dados dos inquéritos às famílias realizados anualmente pelo INE é possível analisar como evoluíram os rendimentos das famílias ao longo da escala de rendimentos. "Se dividirmos a população portuguesa em decis de rendimento, isto é, se construirmos dez escalões de rendimento começando com os 10% mais pobres e terminando nos 10% mais ricos, podemos analisar como evoluíram os respetivos rendimentos (o gráfico seguinte apresenta a evolução dos rendimentos familiares entre 2009 e 2013 ao longo da escala de rendimentos)."

"Todos os decis registam um decréscimo do seu rendimento disponível como consequência da profunda crise económica e das políticas seguidas. O rendimento dos 10% mais ricos regista um decréscimo de cerca de 8%. Os rendimentos dos decis 3 a 7 descem menos de 7%. O rendimento dos 10% mais pobres diminui 24%! Se é verdade que os mais pobres não foram seriamente afetados pelos cortes nos salários e nas pensões é indiscutível que os seus rendimentos sofreram uma profunda erosão pelo forte recuo das prestações sociais que os dados da reportagem do expresso revelam."

Para o aumento da pobreza e "simultaneamente no agravamento das condições de vida das famílias mais pobres" foram "determinantes" as alterações introduzidas nas transferências sociais, em particular no Rendimento Social de Inserção, Complemento Solidário para Idosos e no Abono de Família, segundo Farinha Rodrigues.

"O recuo das políticas sociais, no auge da crise económica quando elas mais se revelavam necessárias, constituiu inequivocamente um fator de empobrecimento e de fragilização da coesão social. A forte contração dos rendimentos dos indivíduos mais pobres, gerada pela conjugação da crise económica, do desemprego e do forte recuo das transferências sociais é a verdadeira imagem de marca das políticas de ajustamento seguidas."

Também Frederico Cantante, investigador do Observatório das Desigualdades, defende que "num contexto de forte aumento da população desempregada e do número de pessoas que se encontram em situações limítrofes ao desemprego, os chamados estabilizadores automáticos, em particular o subsídio de desemprego, não foi suficientemente eficaz. Mais de metade da população desempregada não teve e continua a não ter direito a subsídio de desemprego."

Outra das mudanças fica no recuo do rendimento social de inserção, "a prestação social de último recurso", afirma Frederico Cantante.

"Depois das reformas de 2010 e 2012, as condições de elegibilidades dos beneficiários desta prestação tornaram-se mais restritivas. Para se aceder a esta prestação passou a ser necessário ser-se ainda mais pobre do que em anos anteriores. Se antes destas reformas uma família constituída por dois adultos e duas crianças podia receber desta prestação até 568 euros, em 2013 esse valor recuou para 374 euros. É por isso que no prazo de poucos anos o número de beneficiários diminuiu para cerca de metade e a despesa com esta prestação recuou quase 40%."

Em geral, os indicadores de inclusão social, segundo nota o economista João Cerejeira, professor na Universidade do Minho, "regra geral até 2013, mostram um agravar das condições vida dos grupos mais vulneráveis da população portuguesa". Entre eles, destaca o economista, está um "aumento dos jovens NEET (não trabalham, não estudam, não estão em formação), de 13,9% em 2012 para 14,1% em 2013 (em 2011, 12,6%).