16.7.15

Passos e os números do emprego. Há contas para todos os gostos

in O Observador

Na entrevista à SIC, o primeiro-ministro tentou partilhar o fardo do desemprego com a anterior governação socialista. Há muitas contas possíveis, depende da base da comparação e nem todas batem certo.

A tese


Nos primeiros anos [desta legislatura] tivemos um agravamento do desemprego, um problema com o emprego, mas a partir de 2013 uma melhoria. Entre janeiro de 2013 e abril de 2015, vimos a economia criar mais de 175 mil postos de trabalho, temos mais pessoas empregadas hoje do que em 2013.

Entre 2005 e 2011, que foi rigorosamente o período em que o PS esteve no Governo, a economia perdeu cerca de 236 mil empregos. Perdeu-os. A taxa de desemprego em 2005, quando o PS chegou ao Governo, era de 7,5%. Quando eu cheguei era de 12,1%. Enquanto o PS foi Governo a taxa de desemprego subiu.

Os factos

É impossível fazer um balanço global positivo da legislatura em matéria de emprego, uma matéria em que o Governo reconhece que ainda há muito a fazer. Mas na entrevista dada à SIC esta terça-feira, Pedro Passos Coelho procurou transferir uma parte do pesado fardo do desemprego para os governos socialistas que o antecederam, os dois liderados por José Sócrates.

É verdade que o desemprego estava já a subir quando este Executivo chegou ao poder, em junho de 2011, movimento que foi enormemente acentuado pelas medidas de austeridade associada ao programa de assistência – e pela recessão económica. E o balanço dos governos Sócrates também não foi positivo nesta matéria.

Na primeira legislatura de Sócrates, a economia perdeu cerca de 77 mil empregos, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a evolução da população empregada. Este saldo resulta da comparação entre o primeiro trimestre de 2005 e terceiro trimestre de 2009 (as eleições foram em setembro) e contrasta com a famosa promessa do ex-primeiro-ministro de criar 150 mil postos de trabalho. É claro que os socialistas têm uma boa razão para este fracasso, a crise financeira de 2008 seguida da crise económica de 2009. E, a partir de 2010, também as medidas de austeridade aplicadas.

As contas de Passos Coelho sobre a governação de Sócrates vão até 2011, a pouco menos de meio de mandato que foi interrompido pelo chumbo do PEC IV (Programa de Estabilidade e Crescimento) e pela demissão do Governo. Só que a referência à taxa de desemprego usada para a comparação (e que é referente ao segundo trimestre de 2011) passa por cima de uma alteração metodológica do INE no cálculo dos dados do desemprego que ocorreu no primeiro trimestre desse ano. Por causa dessa alteração, o desemprego deu um salto para 12,4% no primeiro trimestre. São mais 50 mil desempregados e a população empregada recua quase 80 mil pessoas. Sem esse efeito e com o mesmo método, a taxa teria crescido para 11,4%. E com base nestes dados, o saldo destruição de emprego entre 2005 e 2011 fica um pouco abaixo dos 150 mil. Precisamente, o número de postos que Sócrates ambicionava criar, mas menos que os 236 mil referidos por Passos, cujas contas se reportam ao segundo trimestre de 2011, já com o novo método do INE,

Para avaliar a evolução do desemprego na sua legislatura, o primeiro-ministro dividiu o tempo de governação em duas fases – o que desde logo não permite uma base comparável com a legislatura anterior. A primeiro incide sobre o período mais negro da austeridade e do desemprego e vai até ao final de 2012. Mas a partir do início de 2013, o primeiro-ministro diz que a economia criou mais de 175 mil postos de trabalho e assegura que temos mais pessoas empregadas hoje do que em 2013.

Uma das primeiras limitações para avaliar o fundamento destes cálculos é a base comparável. Usando os dados do Instituto Nacional de Estatística, verifica-se que só a partir de outubro de 2014 é que começaram a ser disponibilizadas estimativas mensais de evolução do emprego. Até essa data, os dados eram trimestrais, o que limita a comparação aos primeiros três meses deste ano, deixando de fora a evolução de abril e maio, em tese, mais favorável ao Governo porque o desemprego recuou.

Comparando o pior momento deste período, o primeiro trimestre de 2013, quando a taxa de desemprego atingiu o ponto mais alto, e os primeiros três meses deste ano, podemos chegar a dois resultados.

Na comparação com a primeira publicação do INE relativa ao período, dá nos um acréscimo de 44 mil postos de trabalho. Mas as estatísticas para o mesmo trimestre, publicadas um ano depois, baixam o universo de população com emprego no primeiro trimestre de 2013. Logo a comparação fica mais favorável para Passos Coelho e resulta numa evolução positiva de de 123 mil empregos entre os primeiros três meses deste ano e o mesmo período de 2013. Ainda não chegamos aos 175 mil referidos pelo primeiro-ministro, número que poderá eventualmente resultar de comparações mensais, mas sem que Passos tenha dado a fonte dos seus números, não é possível avaliar a que meses se reportava e qual foi o critério usado.

Se olharmos apenas para a evolução dos trabalhadores por conta de outrem, a criação de emprego já se aproxima mais dos números avançados por Passos Coelho. Entre o primeiro trimestre de 2013 e os primeiros três meses deste ano, o número de pessoas empregadas subiu 158600.

Já a descida da taxa de desemprego foi bem mais expressiva, passou de 17,7% para 13,7%, mas a queda da população ativa nestes dois anos, entre 2013 e 2015, é tão significativa (menos 195 mil pessoas), que uma criação mais modesta de postos de trabalho parece fazer uma diferença maior na taxa. É uma evolução que reflete a saída de trabalhadores portugueses para o estrangeiro.

E já agora fica um número que o primeiro-ministro não deu – o de toda a legislatura. Entre o segundo trimestre de 2011 e o primeiro trimestre de 2015, a população empregada em Portugal recuou em cerca de 416 mil pessoas. Se contarmos apenas os trabalhadores por conta de outrem, o recuo foi de 222 mil empregos.

A conclusão

O primeiro-ministro tem razão quando diz que o problema do desemprego começou bem antes da sua entrada em São Bento. Mas usou sempre os dados mais favoráveis – e alguns que não permitem uma comparação rigorosa ou uma descrição rigorosa da evolução nesta legislatura.