25.11.15

Ajuda pública ao desenvolvimento caiu pelo quarto ano consecutivo

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Relatório da AidWatch diz que 65% da cooperação bilateral está associada à diplomacia económica

Diversos países contabilizaram como ajuda ao desenvolvimento os custos associados ao acolhimento de refugiados

A ajuda pública ao desenvolvimento caiu 14% em 2014, conta com os custos relacionados com refugiados e continua muito associada à diplomacia económica, alerta o Relatório Aid Watch, lançado esta terça-feira pela CONCORD, a Confederação Europeia das ONG de Ajuda ao Desenvolvimento, de que a Plataforma Portuguesa das ONGD é membro fundador.

Bem vistos os números, passou de 364,4 em 2013 para 315,8 milhões de euros em 2014 a ajuda pública ao desenvolvimento. Já caíra 20,4% em 2013, 11,3% em 2012, 3% em 2011, tendência justificada pelo Governo com a crise económica, o controlo do défice público e a consolidação orçamental.

Contas feitas, Portugal disponibilizou 0,19% do Rendimento Nacional Bruto para a ajuda ao desenvolvimento, bem longe dos 0,7% que prometeu alcançar até 2015. Pedro Krupenski, presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD, não compreende por que reiterou o Governo o compromisso já este ano, na cimeira de Adis Abeba. “Teria sido mais sensato comprometer-se com uma meta intercalar”, diz.

O país está longe de ser caso único. Em 2014, a União Europeia atribuiu tão-somente 0,42% do seu Rendimento Nacional Bruto (RNB) à ajuda ao desenvolvimento. Só quatro Estados-membros alcançaram a meta dos 0,7: o Luxemburgo, a Suécia, a Dinamarca e o Reino Unido.Não basta atender aos montantes para perceber o recuo em matéria de Cooperação para o Desenvolvimento, Educação para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária e de Emergência. É também preciso olhar para o que está inscrito em cada parcela.

Já no ano passado, diversos países contabilizaram como ajuda ao desenvolvimento os custos associados ao acolhimento e à integração de refugiados, com destaque para a Holanda (145%), a Itália (107%), Chipre (65%) e Portugal (38%). Teme-se agora que a tendência se agrave. Pedro Krupenski não nega a natureza urgente da crise. Salienta, no entanto, que a ajuda pública ao desenvolvimento diz respeito ao combate às causas, isto é, à pobreza, às desigualdades, aos conflitos em países terceiros.

Outro facto mascara as contas em Portugal. A “ajuda ligada”, isto é, os empréstimos condicionados à aquisição de bens ou serviços, representa 65% da ajuda bilateral nacional. Menos 5% do que no ano anterior, contrariando uma tendência de crescimento que tinha sido assinalada num relatório retrospectivo lançado em 2012.

Não é uma agenda escondida. O documento orientador da Cooperação Portuguesa estabelece que “a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável” tem de responder ao mesmo tempo “aos interesses nacionais e aos objectivos e prioridades dos países parceiros”. É a tendência nos países do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação Económica.

Um último aspecto merece uma chamada de atenção no relatório. Os projectos de cooperação delegada, isto é, executados pela cooperação portuguesa mas financiados pela União Europeia, têm cada vez mais peso na ajuda bilateral. A CONCORD entende que tal factor reflecte um recuo do investimento nacional, mas também um reconhecimento pelas instituições europeias.