28.1.16

“Alimentação digna” de uma família custa 766 euros por mês

Romana Borja-Santos, in "Público"

Portugal surge como o 10.º país europeu com um valor mais elevado nesta estimativa. Valor tem em consideração a quantidade e qualidade dos alimentos bem como algumas actividades sociais

"Alimentação digna." Este é o conceito que está na base das contas feitas pelo projecto Rendimento Adequado em Portugal, com o objectivo de chegar ao valor médio mensal para um casal e dois filhos viverem sem dificuldades e darem resposta às necessidades alimentares numa cidade como Lisboa. Para estas contas não entram, por isso, apenas os produtos básicos.

O cálculo tem em consideração a quantidade de alimentos, mas também a qualidade dos mesmos e outros factores, como algumas refeições esporádicas fora de casa e receber amigos. No total, um homem e uma mulher com cerca de 40 anos, uma filha de 14 anos e um filho de 10 anos precisariam de cerca de 766 euros mensais - um valor que aproxima Portugal dos países mais caros.

Os dados foram apresentados ontem por José António Pereirinha, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, no âmbito de uma conferência, da organização não governamental Oikos, dedicada à integração de políticas públicas na área da segurança alimentar e apoiada pela Direcção-Geral da Saúde e pelo Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa. O investigador explicou que há dois projectos sobre este tema a decorrer, um de âmbito nacional, mais baseado na percepção de um grupo de mais de 2000 pessoas, e outro integrado com mais países europeus, sobretudo para efeitos de comparação, e que tem como base alguns estudos científicos, contando com a percepção de menos pessoas.

Os valores apresentados fazem parte do trabalho europeu, que olha para o rendimento que os cidadãos precisam de destinar a uma determinada área como aquela que "permite uma participação adequada na sociedade". Ou seja, explicou José António Pereirinha, os montantes abarcam "tudo o que é necessário para uma pessoa ser saudável, sentir-se segura, relacionar-se com os outros e sentir-se respeitada na sociedade. Deve permitir escolhas livres e informadas".

O processo para chegar a estes valores é complexo. Por exemplo, no campo da alimentação, antes de ouvir as pessoas, os investigadores determinam as necessidades energéticas, as proporções de macronutrientes e respectivas quantidades e, entre outras coisas, criam planos diários de alimentação que sirvam de modelo.

Solteira? 202 euros...

Além da família com dois filhos, são apresentados valores para um mulher de 40 anos que viva sozinha. Em Lisboa, para uma "alimentação digna" precisaria de 202 euros. Para um homem da mesma idade, o valor seria de 206 euros e para um casal ficaria nos 386 euros. Já uma mulher que viva sozinha com os dois filhos menores gastaria 583 euros e o homem 587. O valor mais elevado, de 766 euros, corresponde ao casal com dois filhos e é o mais frequentemente utilizado nas comparações internacionais. Neste caso da estimativa familiar, só na Dinamarca, Finlândia, Grécia, Luxemburgo, Suécia, Eslovénia, Chipre, Malta e Letónia foram registados valores mais elevados. Pelo contrário, a "alimentação digna" regista os valores mais baixos na Hungria, República Checa, Polónia, Estónia, Letónia e Roménia.

Além do trabalho de José António Pereirinha, a conferência da Oikos discutiu estudos relacionados com a pobreza e a insegurança alimentar em Portugal - uma situação que se agravou após a crise, segundo os dados apresentados por Pedro Graça, director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Números corroborados por Mónica Truninger, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e coordenadora de um inquérito nacional sobre a insegurança alimentar, que demonstrou que os últimos anos privaram mais famílias de alimentos, com a classe média a mostrar ter tido mais dificuldades em adaptar-se, até por desconhecer os circuitos de apoios sociais.

Projecto junta 30 cidades portuguesas para melhorar alimentação urbana

Romana Borja-Santos

Cerca de 30 autarquias aderiram ontem a um programa voltado para as cidades e que tem como principal objectivo criar sistemas alimentares "mais integrados, justos e sustentáveis" nas zonas urbanas em Portugal. A assinatura do chamado "Pacto de Milão sobre Política de Alimentação Urbana" decorreu em Lisboa, durante uma conferência da organização não governamental Oikos. A meta é reunir municípios de todo o mundo, e também a sociedade civil, instituições públicas e Governo.

"O compromisso e envolvimento das cidades são essenciais para atingir o objectivo de alimentar o mundo; cerca de 15% dos alimentos disponíveis no mundo são produzidos em áreas urbanas e estima-se que a proporção global de pessoas a viver em cidades atingirá os 65% em 2025", explicou o presidente da Oikos, João José Fernandes. "A integração das políticas sectoriais, a articulação dos vários níveis da administração pública (nacional e local), bem como a criação de espaços de articulação é fundamental para combater a insegurança alimentar que atinge muitas das famílias portuguesas com graves prejuízos para a saúde", acrescentou.

O Pacto de Milão tem, por isso, diversas vertentes para concretizar a ligação entre a produção rural e a urbana e o consumo rural e urbano. Um dos propósitos passa por tornar os sistemas alimentares das cidades mais seguros, mas também por garantir que os cidadãos têm acesso a uma alimentação mais variada, saudável e a preços acessíveis. "Procederemos à revisão de todas as políticas, planos e regulamentos urbanos existentes, de modo a encorajar o estabelecimento de sistemas alimentares equitativos, resilientes e sustentáveis", explica o documento assinado pelas autarquias.

Muitas das intervenções previstas no campo da promoção de dietas "saudáveis, seguras, culturalmente apropriadas, amigas do ambiente e baseadas nos direitos humanos" visam as escolas, mas também as instituições de apoio social, os mercados e os próprios media. As autarquias comprometem-se ainda a lidar com as doenças associadas a uma dieta inadequada, nomeadamente a obesidade, "dando especial atenção à redução, quando apropriada, do consumo de açúcares, sal, gorduras". Facilitar o consumo de água potável através de bebedouros públicos é outro dos objectivos.

O pacto tem também acções dirigidas para as questões de igualdade social e económica, por considerar que a alimentação está muito relacionada com a capacidade financeira das populações. "Promover emprego decente para todos" e utilizar os fundos relacionados com a alimentação para promover o acesso a bens saudáveis são duas das propostas.

Por fim, há acções específicas para promover melhores compras públicas nos circuitos agro-alimentares, favorecendo o consumo de proximidade e outras ideias para combater as "perdas e desperdício alimentares".

A Oikos aproveitou o momento para deixar recomendações, propondo que se defina um rendimento adequado para que as famílias portuguesas possam escolher uma alimentação saudável. Uma das ideias considera que "uma via possível é a criação de um meio de pagamento electrónico (ex: cartão pré-pago) parcialmente condicionado à satisfação de necessidades alimentares e higiene, privilegiando a compra na agricultura e comércio de proximidade".

PAN quer menu vegetariano nas cantinas

Inês Moreira Cabral

O Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) defende a inclusão obrigatória de uma opção de menu vegetariano em todas as cantinas públicas e apresentou uma proposta nesse sentido no Parlamento, no final da semana passada. O partido recomenda ainda ao Governo a elaboração de um estudo sobre o impacto da distância percorrida pelos alimentos, desde a produção ao consumo, e das consequências para os pequenos produtores.

"Se tivermos uma alimentação mais correcta, vamos ter menos doentes, menos medicamentos e menos despesa, logo, vamos ter um SNS mais sustentável. A prevenção primária faz-se muito por via da alimentação", sublinha André Silva, deputado do PAN e autor do documento.

Na proposta, o PAN refere que a produção pecuária é responsável por 52% da totalidade das emissões de gases com efeito de estufa e argumenta que face à crescente procura de uma alimentação vegetariana "Portugal possui condições que beneficiam esta escolha, já que possui uma produção vegetal de elevada qualidade, com variedade sazonal e diversificada".

Mais de 11 pessoas assinaram até agora a petição da Associação Vegetariana Portuguesa (AVP), em defesa dos menus vegetarianos nas escolas, universidades e hospitais. Manuel Metello, presidente da associação, congratula-se com a proposta do PAN, que vem concretizar os esforços da AVP nesse sentido. "O vegetarianismo tem crescido, especialmente entre os mais jovens", diz Manuel Metello, vegetariano desde 2005, altura em que "não existiam tantos produtos disponíveis no mercado".

O mais recente levantamento sobre vegetarianismo no país foi levado a cabo pela Nielsen e promovido pelo Centro Vegetariano em 2007 e dá conta de que em Portugal existiam então cerca de 30 mil vegetarianos, e que 5% da população tinha excluído uma das categorias alimentares tradicionais: carne, peixe, lacticínios ou ovos. O estudo revela que 2% dos portugueses não consomem carne.

"Estimamos que o número de vegetarianos tenha aumentado. E são cada vez mais as pessoas que abdicam da carne ou que têm uma alimentação mais próxima da vegetariana", afirma Cristina Rodrigues, directora do Centro Vegetariano.