22.2.16

Espírito competitivo e o sucesso dos empreendedores

Armando José Garcia Pires, in Público on-line

A crise económica e das finanças públicas que Portugal tem vindo a atravessar nos últimos anos teve duas consequências importantes a nível do emprego. Primeiro, o desemprego atingiu níveis historicamente altos. Segundo, o Estado perdeu parte da sua capacidade de criar emprego na economia, e, como tal, de absorver desequilíbrios no mercado de trabalho. Face a esta realidade, vários responsáveis políticos e empresariais passaram a ver no empreendedorismo uma das soluções possíveis para o problema do desemprego. Duas questões se levantam: Pode o empreendedorismo por si só criar condições para uma diminuição do desemprego? É o empreendedorismo uma solução apropriada para todos os que se encontram no desemprego?

Em relação à primeira questão, é de notar que, nas economias desenvolvidas, a taxa de actividade empreendedora (proporção de indivíduos adultos envolvidos num negócio em fase nascente ou na gestão de uma nova empresa) não costuma ultrapassar os 10% (ver dados do Global Entrepreneurship Monitor). A média da União Europeia é por exemplo 5,2%, e em Portugal é de 4,5%. Portugal teria como tal que apresentar um enorme aumento desta taxa para diminuir significativamente o desemprego. Tal não é expectável no curto, ou até mesmo no médio-prazo. Além do mais, só em países em desenvolvimento o empreendedorismo atinge valores significativos da população (acima dos 30%). No entanto, nestes países a razão para uma tão elevada taxa de empreendedorismo deve-se ao facto de não haver oportunidades de emprego noutros sectores.

Dito de outro modo, enquanto que em países em desenvolvimento os empreendedores são principalmente “empreendedores por necessidade”, em países desenvolvidos os empreendedores são maioritariamente “empreendedores por oportunidades”. Os “empreendedores por necessidade” são aqueles que se tornam empreendedores porque não têm outras alternativas de emprego, e esta actividade é para eles uma forma de “sobrevivência”. O exemplo típico é um empreendedor numa grande cidade em África, como Nairobi, que gere um quiosque de bebidas. Os “empreendedores por oportunidades” são os que estão sempre à procura de novas oportunidades de negócio, e que frequentemente se tornam empreendedores de sucesso. O exemplo típico é um empreendedor em Silicon Valley nos EUA com uma empresa de software. Neste sentido não basta promover o empreendedorismo, tem também que se criar condições para que o maior número possível de empreendedores se tornem “empreendedores por oportunidades”, porque só estes contribuem para o crescimento económico e criam emprego. Isto é especialmente relevante em Portugal, porque a primeira motivação para alguém que perde o emprego e se torna empreendedor é a “necessidade”.

Isto leva-nos à segunda questão: pode o empreendedorismo ser uma solução “one-fits-all”? A evidência empírica demonstra que os “empreendedores por oportunidades” aparentam ser “diferentes” das restantes pessoas, no que diz respeito aos traços psicológicos. Este aspecto já tinha sido destacado por Keynes, quando se referia aos “animal spirits” dos empreendedores. Segundo ele, os “animal spirits” reflectem-se no impulso que se observa nos empreendedores de sucesso em investir, procurar novas oportunidades e vencer a concorrência. Neste caso o exemplo normalmente dado nos dias que correm é o de Steve Jobs.

Num projecto sobre o empreendedorismo desenvolvido na Norwegian School of Economics analisamos a importância da vertente psicológica no empreendedorismo [1]. Neste estudo, incluiu-se empreendedores da Tanzânia pertencentes a uma instituição de microcrédito local. Este grupo é interessante porque eram todos no início do estudo “empreendedores por necessidade”. O objectivo do projecto era analisar quais destes empreendedores tinham potencial para se tornarem “empreendedores por oportunidades”, i.e. crescerem em termos de vendas, investimentos, criação de emprego e lucros. Para se medir o nível de sucesso de cada um destes empreendedores, recolheram-se dados destes ao longo de cinco anos. A alguns deles foi também oferecido treino de técnicas empresariais e um subsídio ao desenvolvimento do negócio. Aos restantes (grupo de controlo) não se atribuiu nenhum destes apoios.

As características psicológicas consideradas no estudo foram o nível de competitividade, preferências pelo risco, paciência em escolhas temporais, e autoconfiança. Estas últimas variáveis, que foram obtidas em laboratório através de técnicas da economia experimental comportamental, são apontadas na literatura como sendo centrais para o empreendedorismo.

Os resultados do estudo demonstraram que os empreendedores que atingiram maior crescimento (em termos de lucros, vendas, emprego e investimento) foram aqueles com maiores níveis de competitividade. Este factor revelou-se mais importante que as restantes características psicológicas (como risco, paciência e confiança) e outras características gerais do negócio (como nível de escolaridade do empreendedor, ou o facto de o empreendedor ter recebido ou não subsídio e/ou apoio ao desenvolvimento do negócio).

Estes resultados indicam como tal que o nível de competitividade é fundamental num empreendedor de sucesso. Neste sentido, os programas de incentivos ao empreendedorismo deveriam também ter em consideração os factores psicológicos, como o nível de competitividade. No entanto, estes programas tendem a centrar-se principalmente nos apoios financeiros e de negócio. Por exemplo em Portugal o IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação –, tem o programa FINICIA que facilita o acesso a financiamento e o Empreender+ que assiste jovens empreendedores a tornar ideias de negócio em empresas viáveis. Não há dúvida de que os aspectos psicológicos são de mais difícil aplicação em programas de apoio ao empreendedorismo, mas se tais factores forem descurados corre-se o risco que estes programas criem apenas “empreendedores por necessidade” e não “por oportunidades”. Dito de outro modo, estes programas devem também promover o “empreendedorismo por oportunidades”, pois só este fomenta a criação de emprego e crescimento económico.

Professor na Norwegian School of Economics

[1] Berge, L; Bjorvatn, K.; Garcia Pires, A. J. and Tungodden, B. (2015), Competitive in the Lab, Successful in the Field?, Journal of Economic Behavior & Organization, 118, 303-317.