16.2.16

Porque eles também são vítimas de violência doméstica

in Notícias ao Minuto

Tentam resolver os problemas na intimidade, mas nem sempre conseguem. Pedir ajuda e fazer a denúncia são passos percorridos por muitos homens vítimas de violência doméstica. São uma minoria, é certo, mas nem por isso sofrem menos do que as mulheres.

"Os homens são uma minoria, mas são vítimas, assim como as mulheres, de crimes de violência doméstica". Ainda que esta seja uma realidade de que muitos portugueses se mantêm alheados, também as mulheres assumem o papel de agressoras numa relação. E fazem-no de forma "continuada" e cruel.

Carolina Gomes é psicóloga na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), na delegação de Cascais, e já prestou apoio a vítimas de todo o tipo de violência. Os homens menosprezados, humilhados e agredidos por mulheres não são exceção.

Quando pede ajuda, nota a especialista, a maioria vive já "no fim da linha", em "quadros continuados de violência", e num momento em que as agressões físicas entraram na equação.

Quando assim é, "já se ultrapassou a possibilidade de salvar a relação". Mas nem isso faz com que dar o primeiro passo seja fácil. "Os homens ainda sentem alguma inibição e discriminação quando pedem ajuda. Normalmente, quando os pedidos nos chegam, as pessoas já bateram a várias portas. E há quem não leve a sua história a sério", lamenta Carolina Gomes, em entrevista ao Notícias ao Minuto.

Em Portugal, existe uma rede nacional de casas de abrigo que acolhe mulheres e crianças, mas nenhuma que acolha homens, apesar dos pedidos. Os dados estatísticos ditam que assim seja: 81% das vítimas de violência doméstica cujos processos chegaram ao Ministério Público em 2014 são do sexo feminino. Os dados de 2015 ainda não foram apurados.

As regiões autónomas dos Açores e da Madeira foram as que registaram maiores taxas de incidência, com o distrito de Beja a registar o menor número de crimes. 80% das vítimas tem mais de 25 anos, mas há também uma elevada percentagem de menores de 16 anos a apresentar queixa.

Globalmente, atingidos por este crime, tipificado no Código Penal como crime público, são três em cada mil habitantes. O número de detenções tem vindo a aumentar, de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna, como resultado de um maior esforço preventivo. E em mais de 70% dos casos são as vítimas quem faz a denúncia.

Depois do primeiro passo, a denúncia

Na APAV, após uma avaliação da situação da vítima, é-lhe prestado apoio psicológico, social e jurídico, incluindo informações sobre os seus direitos. Apresentar queixa às autoridades é um deles.

"A decisão é da vítima. Não podemos obrigar as pessoas a fazer o que não querem. A questão da apresentação de queixa não é fácil e tem de ser trabalhada. Temos de acompanhar as vítimas durante algum tempo, até que estas estejam mais fortalecidas e se sintam capazes de fazer a denúncia".

Mas o processo também decorre no sentido inverso. À APAV, chegam casos de violência doméstica encaminhados pelas autoridades, decorrentes da cooperação que é mantida com a PSP, GNR e Polícia Judiciária.

À PSP chegaram no ano passado cerca de 2.500 denúncias feitas por homens, maioritariamente naturais das regiões autónomas, de Lisboa, Porto e Setúbal. A GNR destaca ainda Braga e Aveiro. Maus tratos físicos e psíquicos foram reportados àquelas forças policiais, prevalecendo as referências ao recurso a armas brancas.

Não, eles não têm de ser mais fracos fisicamente

A força não é, como explica Carolina Gomes, determinante na vida destes casais. Enquanto eles usam normalmente linguagem mais crua (o insulto) e se fazem valer da força, as mulheres agressoras "são mais subtis na violência psicológica que exercem. Fazem-no de forma mais 'rebuscada' e continuada, apostando na desvalorização, manipulação e humilhação".

Estes homens não são necessariamente mais fracos, ao contrário do que se possa pensar. Muitas vezes, explica a psicóloga, "são homens que estão presos afetivamente e não querem partir para um quadro de violência, porque esta não faz parte dos seus padrões comportamentais".

Certo é que as consequências da violência doméstica exercida sobre homens são menos gravosas do que aquela que é exercida sobre o sexo feminino. Não tendo sido disponibilizados dados sobre possíveis mortes que possam advir das agressões, a PSP dá conta de que “mais de 90% dos homens agredidos apresenta apenas ferimentos ligeiros”.

Uma vez vítimas de violência doméstica, há uma parte da personalidade que se perde. Os homens, assim como as mulheres que atravessam situações semelhantes, ficam "desvalorizados, humilhados, desesperançados e com baixa autoestima".

Desde o primeiro pedido de ajuda ou denúncia, os processos tendem a ser morosos. Há, então, um longo caminho a trilhar até que a vítima recupere a autoestima e gosto pela vida perdidos. Um caminho que é de todos, não fosse este um crime público.