15.3.16

Ministra contra contratos de acolhimento para refugiados

Raquel Moleiro, in "Expresso"

Para a semana chegam mais
Entre segunda e quinta-feira, Portugal recebeu 83 refugiados. Em três meses só tinha acolhido 66. PAR quer enfoque nas crianças Segunda-feira. 5h25. Hora de escolher um novo país. Aterra no aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa, um voo fretado pelo Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO) para trazer da Grécia 64 refugiados.

Nunca tantos tinham chegado de uma vez só e com tanto simbolismo agregado: quando em Bruxelas se discutia a crise migratória na cimeira entre a UE e a Turquia, Portugal transmitia uma mensagem de solidariedade.

Composto principalmente por sírios e iraquianos muitas famílias, cerca de vinte crianças , o grupo foi recolocado de norte a sul do país: Guimarães, Nazaré, Beja, Santarém, Lisboa, Faro, Olhão, Nisa, Torres Novas, Sintra, Braga, Évora, Espinho, Porto e Setúbal.
Três dias depois chegava novo grupo. Mais pequeno, 19 eritreus em voo matinal e comercial vindo de Itália. Responsáveis da Câmara Municipal de Lisboa, Cruz Vermelha e Conselho Português para os Refugiados levaram-nos para Alcobaça, Almada, Faro e Vila Viçosa. Alguns ficaram logo na capital. Para a semana há mais um voo marcado com 16 refugiados, confirmou ao Expresso o gabinete do ministro-adjunto, Eduardo Cabrita.
“Esperámos tanto tempo.

Espero que seja uma tendência que se vá consolidar”, deseja Rui Marques, da Plataforma de Apoio aos Refugiado, que esta quinta-feira divulgou uma carta aberta ao Governo.

Pede que se dê prioridade ao acolhimento de crianças refugiadas e suas famílias. “Não vai ser possível recolocar todos os refugiados, por isso é urgente privilegiar os mais vulneráveis. Só este ano chegaram à Europa 44 mil crianças. O perfil das chegadas alterou-se: hoje 38% são menores, juntando as mulheres são 66% .

Há um ano eram sobretudo homens”, revela.

Para agilizar o processo a PAR propõe um projeto-piloto de recolocação direta a partir da Grécia através de uma ponte aérea direta dos pontos onde os refugiados se encontram para o destino de acolhimento, e com um matching com a instituição que os vai acolher logo no local para que saibam exatamente para onde vão. E dizer que querem ir por aí.
requerentes de asilo em Portugal recolocados pela UE. Misericórdias acolheram 33, Câmara de Lisboa 21, Conselho Português para os Refugiados 39, Cruz Vermelha Portuguesa 27 e PAR 29 5h25 foi a hora a que chegaram a Lisboa, na segunda-feira, 64 refugiados, a maioria da Síria e do Iraque, muitas famílias, mais de vinte crianças.

Nunca tinham vindo tantos de uma só vez SOCIEDADE MIGRAÇÕES Raquel Moleiro C hama-se “Acordo de Acolhimento e Integração”, mas para a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, o documento de oito páginas que os refugiados que chegam a Portugal têm de assinar para serem acolhidos pelas instituições representadas pela Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) é um “contrato” que “não garante a igualdade das partes, pois a mais fraca não tem qualquer margem de negociação.

Está numa posição de take it or leave it'”. Ou, neste contexto, assina ou não és protegido.
A crítica foi feita segunda-feira, em ambiente restrito, durante a sessão de abertura do Curso Breve de Direito dos Refugiados da Universidade Nova de Lisboa, e depois confirmada por escrito ao Expresso, quando foi pedido um esclarecimento da posição: “A ministra considera que a figura do Contrato de Acolhimento e Integração no contexto da proteção que é devida aos refugiados é ética e moralmente censurável, atenta às desigualdades das partes. Vai recolher informação sobre esta prática e oportunamente procederá à avaliação”, revela o seu gabinete.
Logo após a chegada das famílias a Portugal, a PAR rede que reúne três centenas de instituições de solidariedade com disponibilidade para acolher refugiados de norte a sul do país apresenta-lhes o documento contratual entre eles e os anfitriões, onde traça os objetivos e obrigações mútuas. Do “acordo expresso e esclarecido da família acolhida” depenMAI Constança Urbano de Sousa diz que imposição às famílias que chegam a Portugal “é ética e moralmente censurável” Ministra contra contratos de acolhimento para refugiados de o sucesso da integração, lê-se no formulário disponível em português, francês, inglês e árabe.

“Não é obrigatório por lei, mas para a PAR este acordo é completamente obrigatório por uma questão simples: não queremos ter no futuro mal-entendidos sobre quais são as obrigações das partes envolvidas. A experiência no terreno ensina-nos, por exemplo, que por as pessoas se expressarem em línguas diferentes dentro de pouco tempo começa-se a dizer que o combinado não foi aquilo. É por isso fundamental existir um acordo escrito, um ponto a que se regressa em caso de dúvida”, justifica Rui Marques, coordenador da plataforma. “Nenhuma família é obrigada a aceitar a PAR, mas os que aceitam têm de saber o que lhes é proposto. Defendemos que o acordo seja assinado ainda antes de viajarem para Portugal, mas atualmente isso não é possível”, acrescenta.

Dois anos de dar e haver Quem recebe compromete-se, durante um período de dois anos, a assegurar alojamento, vestuário, bolsa mensal familiar de €150 por adulto e €100 por criança para alimentação, transportes, medicamentos e telecomunicações, apoio na integração laboral, educação das crianças em idade escolar, acesso a cuidados de saúde, inscrição na Segurança Social e apoio na aprendizagem do português.
“Em contrapartida do apoio que lhe será concedido”, a família acolhida “declara expressamente compreender e aceitar a oferta que lhe é feita” e compromete-se a cuidar do alojamento e dos bens móveis disponibilizados, esforçar-se na aprendizagem do português, informar os técnicos acerca de qualquer doença ou urgência de saúde, assegurar a ida dos menores às aulas, empenhar-se na procura de emprego e formação profissional e comunicar sempre que se pretenda ausentar por mais de dois dias.

Redigido pela sociedade de advogados Vieira de Almeida, tem obrigações, prazos, resolução de litígios através de mediação e até cancelamento caso os refugiados optem por abandonar o programa durante um período superior a quatro semanas, designadamente, viajando para fora o país. “Todo o processo da plataforma foi estabelecido em setembro de 2015 com o governo anterior. Está lá tudo, incluindo o acordo de acolhimento.
Se o governo atual discordar ou manifestar alguma limitação ouviremos com atenção”, assegura Rui Marques.

A lembrar os seus tempos de professora de Direito da União Europeia e investigadora em imigração e asilo, a ministra explicou aos alunos da Universidade Nova que “Portugal, internacionalmente reconhecido como um caso de sucesso na integração de estrangeiros, nunca adotou, e bem, a visão neoliberal de integração baseada num contrato”, que “parte do princípio que as pessoas não têm capacidade para se integrar, pelo que devem ser obrigadas' por um contrato a fazê-lo”. Distancia-se nesse aspeto da Hungria, Polónia, Áustria ou Dinamarca, exemplifica.

Oficial e diretamente, o Estado português não obriga os refugiados a assinar qualquer contrato ou documento que regulamente a sua integração em Portugal, garante o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que coordena o Grupo de Trabalho para a Agenda Europeia da Migração. A mesma posição é tomada pelas entidades europeias que cooperam na sua vinda. “Apenas são notificados pelas autoridades gregas ou italianas da transferência para Portugal, mas não é assinado nenhum acordo ou contrato”, acrescenta o SEF.

O gabinete do ministro-adjunto Eduardo Cabrita, responsável pelo acompanhamento da integração dos refugiados em território nacional, acrescenta que os direitos e deveres a que estão sujeitos os beneficiários do estatuto de refugiados, a cessação, revogação, supressão ou recusa de renovação da proteção internacional são determinadas pela Lei do Asilo. E diz a lei que a proteção só cessa quando deixar de ser necessária. Para os 149 refugiados recolocados em Portugal ainda falta muito para aí chegar.