24.5.16

Austeridade tornou pobres mais pobres

In "Jornal de Notícias"

O processo de ajustamento financeiro não afetou todos de igual forma. Carlos Farinha Rodrigues, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Nova de Lisboa, um dos oradores da 2.ª Conferência de Gaia, aumenta o zoom para desmontar ideias que a crise instalou.

A classe média não foi a que mais sofreu, os pobres ficaram mais pobres, as prestações sociais perderam fôlego, e não se pode criar riqueza primeiro para depois distribui-la porque o processo só faz sentido em simultâneo. Cenários que assentam em números.

O rendimento das famílias e os salários "tiveram um decréscimo fortíssimo". Todos sabem. Mas quando se analisam os extremos percebe-se que a crise tornou os pobres ainda mais pobres. "Os rendimentos dos 10% mais ricos desceram cerca de 13%. Os rendimentos dos 10% mais pobres desceram 25%". "O programa de ajustamento foi profundamente desigual, afetando os mais pobres", sustenta.

A classe média foi a mais afetada com a crise? Não. "Teve um recuo efetivo mas nada quando se compara com os mais pobres". E as respostas sociais não aumentaram. "O que se esconde é que houve um forte corte nas prestações sociais". E desigualdade e pobreza continuam a andar de mãos dadas.

António Teixeira Fernandes, professor catedrático jubilado e investigador do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, coloca o dedo na ferida. "Não é a pobreza que coloca a democracia em perigo, mas a angústia que ela cria".

"A pobreza, como modo de vida, tende a perpetuar-se". Por isso, precisam-se de medidas. "Os pobres têm de quebrar as cadeias da sua dependência", defende. O Estado não pode amarrar a participação coletiva e as instituições do setor devem estar no terreno. O combate, na sua opinião, deve começar pela preparação das novas gerações para "impedir a reprodução da pobreza". E um aviso de catedrático: "As prestações sociais não podem ser um simples subvenção social".

O Estado cria ou não cria emprego? Luís Capucha, professor do ISCTE, demonstra que sim com números e gráficos. Em 2001, o Plano Nacional de Emprego criou entre 20 a 25 mil postos de trabalho. "Quanto menor o papel do mercado maior relevância tem a componente política na criação de emprego". E há a austeridade. "O Estado social não foi um fator de vulnerabilidade, foi um fator de proteção formal aos efeitos da crise".

A linguagem que se usa faz diferença para João Teixeira Lopes, professor e sociólogo. E há muitos termos martelados em tempos de crise. "Exclusão é sobretudo um conceito administrativo para nomear uma realidade crescente dos grupos ditos críticos e vulneráveis".