24.5.16

"Consenso discursivo em Portugal sobre refugiados é enganador"

In "Dnotícias"

O catedrático da Universidade de Coimbra (UC) José Manuel Pureza disse hoje, na cerimónia de atribuição do título 'honoris causa' a António Guterres, que "o consenso discursivo" em Portugal sobre o dever de acolher refugiados é enganador.

"O consenso discursivo que hoje se regista no nosso país sobre o dever de nos disponibilizarmos a acolher gente em fuga é preocupantemente enganador", afirmou José Manuel Pureza, no seu discurso de elogio a Teresa Tito de Morais, apresentante de Guterres, para a atribuição do grau de 'doutor honoris causa' ao antigo primeiro-ministro e ex-Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

"Basta constatar como ele convive tão bem com um senso comum que faz da distinção entre refugiados e imigrantes, um suporte para naturalizar o fechamento a quem nos procura não por medo mas por pobreza", sustentou o professor da Faculdade de Economia da UC e vice-presidente da Assembleia da República.

Esse consenso de agora "esconde mal que, há tão pouco tempo, a ação de Teresa Tito de Morais e da equipa do CPR [Conselho Português para os Refugiados], à frente de dois centros de acolhimento de refugiados e requerentes de asilo, tenha sido tida como estranha, desnecessária ou mesmo vulnerabilizadora da segurança nacional", sublinhou José Manuel Pureza.

"Foi, pois, sábia a nossa universidade" ao associar a este momento Teresa Tito de Morais em que "as honras doutorais atribuídas a António Guterres são, em alguma medida referenciadas ao combate de cada homem, de cada mulher e de cada criança que foge à guerra, à perseguição política ou religiosa, às discriminações ou à miséria pela sua dignidade e pelos direitos irrecusáveis a quem é gente", acrescentou.

Maria Teresa Tito de Morais Mendes, que fundou, em 1991, o CPR, "ela própria teve que buscar para si" a proteção internacional quando, depois da sua "experiência da prisão por ideais políticos em 1965, fugiu à ditadura do Estado Novo e pediu e encontrou refúgio durante nove anos na Suíça", recordou.

"O sim que lhe foi dado por uma Europa então amiga das pessoas em fuga da barbárie qui-lo Teresa Tito de Morais honrar com uma dedicação plena à causa das vítimas de perseguição de todo o mundo, depois de o 25 de Abril ter posto fim, em Portugal, ao que a motivara a buscar proteção nessa Europa inexoravelmente distante da que está hoje aí", salientou Pureza.

A entrega absoluta à causa dos refugiados -- "não por qualquer interesse próprio mas unicamente por serviço a quem, em situações de vulnerabilidade humana extrema, tem a vida e a liberdade dependentes da proteção internacional" -- é a lição notável da vida de Teresa Tito de Morais, e que hoje "a UC integra no seu património de lições para as gerações presentes e vindouras", sustentou.

Se António Guterres "engrandeceu as relações internacionais, marcando a agenda do mundo com a escolha do campo das vítimas da perseguição como prioridade", Teresa Tito de Morais "engrandeceu a nossa humanidade, escolhendo o campo do acolhimento, da proteção e do diálogo intercultural contra a xenofobia, o racismo e a indignidade", concluiu José Manuel Pureza.