30.5.16

Hospitais pagam cem milhões em cirurgias no privado

Ana Maia, in Diário de Notícias

Só em 2015, foram emitidos mais de 111 mil vales para operações no setor privado ou social, com um custo de 36 milhões de euros

Entre 2013 e 2015 os hospitais públicos gastaram cerca de cem milhões de euros em operações feitas fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS), no setor privado ou social, através de vales-cirurgia, emitidos ao final de seis meses de o doente estar à espera. Só em 2015 foram emitidos mais de 111 mil vales que levaram à realização de 20 282 operações, com um custo de 36 milhões de euros. O ano terminou com perto de 194 mil utentes na lista de inscritos para cirurgia - mais dez mil do que 2014 - e 5972 doentes pendentes.

Os dados provisórios do Ministério da Saúde foram enviados ao Bloco de Esquerda numa resposta sobre o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) nos últimos três anos e a que o DN teve acesso. Uns hospitais descem, outros sobem, mas no total a fatura e o número de operações feitas fora do SNS aumentou . "Acreditamos que se pode estabelecer uma relação com a saída dos profissionais mais diferenciados e a redução de serviços. Podem estar a deixar o SNS com menos capacidade e a enviar mais doentes para o privado. Não compreendemos que aconteça, porque o SNS tem capacidade instalada e é preciso aproveitá-la. É incompreensível que hospitais de fim de linha enviem imensos doentes para o privado", diz Moisés Ferreira, deputado do BE.

O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) é o que tem a fatura mais elevada e 2560 cirurgias realizadas fora. No final do ano tinham 14 mil inscritos na lista e 237 doentes pendentes. "Apenas 25% dos doentes aceitaram ser operados fora do CHUC. O valor faturado foi de 4,6 milhões de euros. O CHUC é dos hospitais com maior produção cirúrgica. Em 2015 foram feitas 65 735 cirurgias. Temos vindo a "aumentar a capacidade interna e a reduzir a emissão de vales-cirurgia", refere. Quanto aos doentes pendentes, "são propostas cirúrgicas que estão em fase de avaliação clínica e/ou a aguardar exames e esclarecimentos adicionais", número que não consideram elevado dada a procura.

Em 2015 foram operadas noutros hospitais 3118 pessoas encaminhadas pelo Centro Hospitalar do Algarve, com uma faturação de 3,5 milhões e mais de oito mil vales emitidos. A nova administração não confirma os dados indicados, mas segundo os provisórios de que dispõem "foram operados cerca de 11 990 episódios cirúrgicos na lista de inscritos, dos quais 2790 foram realizados em hospitais de destino convencionados". Acrescentam que estão a trabalhar com o ministério e Administração Regional de Saúde para aumentar a capacidade através do reforço de recursos humanos e da produção adicional.

Combate à espera em ortopedia

O Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) reduziu as operações feitas com vale, mas ainda assim foram 862 no ano passado. "Apenas 3,1% dos doentes inscritos são operados fora do CHLN. A resolução interna da lista de inscritos melhorou francamente em 2015 e continua a melhorar", refere o presidente Carlos Martins, adiantando que até abril foram operados fora 275 doentes.

Um número que não é elevado, aponta, comparando com outros hospitais e que está relacionado com algumas doenças mais frequentes e especialidades que têm de dar resposta a situações muito complexas. "A política de rejuvenescimento, a partir de 2014, permitiu melhor resposta da instituição. Existe carência de profissionais, por exemplo anestesistas, mas os profissionais do CHLN, têm tido uma elevada responsabilidade e dedicação à causa pública."

O Centro Hospitalar do Porto destaca-se pela subida de operações feitas fora (passou de 61 cirurgias em 2014 para 570 no ano passado). "Tínhamos 2500 pessoas em lista de espera para ortopedia. Tentámos limpar a lista. As cirurgias menos diferenciadas foram enviadas para outras unidades e algumas, possíveis de fazer no nosso hospital com médicos de outras especialidades, foram realizadas. Os doentes operados por ortopedia têm uma idade mais avançada, precisam de mais tempo de internamento e estamos a trabalhar para aumentar o número de camas", explica o presidente, Sollari Allegro.

Alto Minho com mais pendentes

Não são só as operações feitas fora do SNS que Moisés Ferreira destaca. "Vemos na lista centros com um número inexplicável de doentes pendentes. No caso da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM) são 1103. É difícil acreditar que todos tenham pedido para ficar pendentes. Não gastou nada em cheques-cirurgia em 2015, embora tenha emitido 228 e tenha em lista de espera 5705 pessoas. O número elevado de pendentes [cerca de 6000 entre todas as unidades] faz pensar que pode haver doentes a quem o acesso a uma cirurgia esteja a ser vedado por razões orçamentais", aponta, salientando que mais perguntas seguirão para o Ministério da Saúde.

A ULSAM esclarece que registam "874 doentes em situação de pendência. As situações incluem alterações da condição clínica do doente e motivos pessoais plausíveis. Face à última avaliação da tutela registamos uma redução de pendentes. Não foram emitidos vales-cirurgia em virtude de vermos cumpridos os tempos máximos de resposta garantidos". Adiantam ainda que a Premiership está a realizar planos cirúrgicos extraordinários para responder atempadamente aos doentes inscritos na lista, nomeadamente em oftalmologia e ortopedia.

O hospital de Braga, uma parceria público-privada, também aumentou as operações feitas noutros hospitais. Com 8597 inscritos na lista, tem 318 pendentes. "As situações pendentes representam menos de quatro dias de cirurgias no hospital de Braga. Deve-se a diversos motivos, desde a aprovação interna do ato cirúrgico, passando por indisponibilidade do doente ou por motivos de indicação clínica desfavorável à cirurgia aquando da sua marcação", diz a unidade. No ano passado realizaram 27 400 cirurgias. Referem que aumentaram a produção e que os casos são cada vez mais complexos. E que estão disponíveis para aumentar a contratualização com o Estado.

O ministério publicou uma circular que antecipa de quatro para três meses a data a partir da qual os hospitais podem emitir uma nota de transferência de um doente em lista de espera para cirurgia para outro hospital do SNS. Na nota, o ministério explica que com a transferência dentro do SNS pretende melhorar os tempos de resposta e aumentar a capacidade do serviço público. O vale-cirurgia continua a ser emitido ao final de seis meses para unidades protocoladas.