10.5.16

Viriato Soromenho-Marques: “Os direitos humanos não podem ser submetidos ao princípio da maioria"

Filipe d'Avilez, in "Renascença"

Declaração de Lisboa é assinada esta terça-feira, defendendo a noção de novos direitos humanos.

O conceito de direitos humanos é, do ponto de vista histórico, relativamente recente. Se, em grande parte do mundo, esses direitos são vistos apenas como sonhos distantes, mesmo naquela em que são tidos como dado adquirido continuam a precisar de ser robustecidos, defende o professor Viriato Soromenho-Marques.

“Os direitos fundamentais nunca estão garantidos. Sabemos o que foi o século XX em matéria de retrocesso dos direitos fundamentais, o que foi o genocídio, o Holocausto, a ideia absolutamente diabólica de querer dizimar povos inteiros só pelo simples facto de existirem”, diz à Renascença.

É com isto em mente que começou na segunda-feira uma conferência, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, sobre “Os Direitos Humanos e os Desafios do Século XXI”. Dos trabalhos, que terminam esta terça-feira, vai sair a “Declaração de Lisboa”, que será assinada por várias organizações oficiais e não-governamentais.

O texto afirma que “nunca se podem considerar os direitos humanos como estando cabalmente garantidos ou seguramente protegidos”.

“Bem sabemos, aqui na Europa, que com a crise financeira e da zona Euro, que até mesmo estes direitos económicos e sociais, que fazem parte do chamado Estado Social, estão ameaçados”, sublinha, à Renascença, Viriato Soromenho-Marques, um dos organizadores da conferência, juntamente com a própria fundação Gulbenkian e a organização Terry Kennedy para os Direitos Humanos. O evento tem ainda o apoio das embaixadas da Áustria e dos EUA.

Para o professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a chave é compreender que os direitos humanos não podem depender de vontades políticas ou de maiorias.

“Os direitos humanos não podem ser submetidos ao princípio da maioria. O princípio que deve nortear os direitos humanos é o princípio justamente do respeito e não o da maioria. De outra forma, por exemplo, a liberdade religiosa seria completamente esmagada. Vemos o que está a acontecer hoje no Médio Oriente, em países que foram destruídos, como o Iraque ou como a Síria, ou como a Líbia, em que as minorias cristãs estão neste momento a ser alvo de perseguição por parte de grupos maioritários.”

A liberdade religiosa é um dos direitos humanos que vem explicitamente referido na “Declaração de Lisboa”.

Novos direitos

A visão dos direitos humanos abraçada por esta conferência admite a consagração de novos direitos, incluindo os “direitos LGBTI” [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais], que não constam da Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas e são contestados por vários quadrantes.

Ao definir direitos humanos de forma cada vez mais específica, não se estará a enfraquecer a noção da universalidade dos mesmos? Soromenho-Marques acredita que não. “É uma pergunta muito interessante e tem a ver com aquilo que entendemos ser a essência e a manifestação do universal. Eu julgo, neste aspecto, que a forma mais subtil que encontramos para expressar justamente a natureza muito particular da universalidade, se encontra na tradição filosófica mas também na tradição religiosa do Ocidente, que é justamente a ideia de que o universal só existe justamente no concreto”, explica.

“Hegel defendeu a ideia do Universal Concreto, mas também o exemplo da tradição cristã. Repare que uma das dimensões mais misteriosas do ponto de vista filosófico e certamente teológico da figura histórica de Cristo é justamente tentar perceber porque é que o divino se encarnou na figura de um homem singular. Ou seja, a ideia de que o universal, com todas as suas propriedades, manifesta-se essencialmente nas criaturas singulares, mais frágeis, é aquilo que torna os direitos fundamentais verdadeiramente em direitos universais”, conclui.

A convivência entre direitos humanos, como a liberdade religiosa, e os novos direitos é por vezes conflituosa. Nos Estados Unidos e no Reino Unido tornaram-se conhecidos vários casos – desde agências católicas forçadas a abandonar o ramo da adopção, por não lhes ser permitido restringirem a sua actividade a casais heterossexuais a casos de fotógrafos e pasteleiros multados por se recusarem a prestar serviços em casamentos homossexuais.

“Penso que isso são aspectos secundários”, diz Soromenho-Marques. “O que me parece essencial é que cada vez mais, pelo menos numa parte do mundo em que estas situações são discutidas com liberdade e onde existe liberdade de imprensa e de pensamento, estes assuntos são discutidos com elevação, com tranquilidade, sem ruído.”

“São assuntos que se devem discutir escutando os outros, produzindo argumentos inteligentes, escutando os argumentos inteligentes que todos temos para dar, de um lado ou de outro, porque o que está aqui fundamentalmente é uma lógica de aceitação, aceitação do outro, da sua identidade e da sua diferença”, conclui.

Ir além da sala de aula

A Declaração de Lisboa defende que a promoção de “uma política educativa que enfatiza os direitos humanos e a dignidade humana vai muito para além da sala de aula. É uma missão que deve ser partilhada com as famílias, as organizações não-governamentais, todos os níveis governativos e empresas privadas – de acordo com um verdadeiro espírito de responsabilidade social”.

Os signatários “comprometem-se a promover uma política educativa e a fomentar o debate público em defesa dos direitos humanos e da dignidade humana.”