28.6.16

Ser criança em África ainda é sinónimo de ser (muito) pobre e ter poucos estudos

in o Observador

Quem nasce, já nasce pobre e, por norma, o casamento está mais próximo do que a escola. O relatório da UNICEF não é animador e fala de milhões de crianças com um futuro de poucas oportunidades.

A pobreza continua a ser um atestado colado às crianças na África subsariana mesmo antes de nascerem, a escola é mais ilusão do que realidade e as gravidezes acontecem pouco depois da primeira década de vida. A perspetiva pouco otimista é da UNICEF e está inscrita no relatório anual “A Situação Mundial da Infância 2016”, divulgado esta terça-feira pelo órgão da ONU.

O estudo aponta grandes dificuldades para as crianças mais desfavorecidas, sobretudo na África subsariana e no sul da Ásia. Na primeira região, 2 em cada 3 crianças vivem em pobreza multidimensional (nutrição, saúde e habitação), o que corresponde a 247 milhões de crianças. Cerca de 60 por cento das raparigas entre os 20 e os 24 anos, das franjas mais pobres da população, tiveram menos de quatro anos de escolaridade, aponta o relatório.

A organização destaca os progressos mundiais feitos na baixa da taxa de mortalidade infantil, na luta contra a pobreza e pela educação — a taxa de mortalidade de crianças com menos de cinco anos baixou para menos de metade desde 1990, por exemplo. Mas o progresso não chegou a todos os países da mesma forma.

A pobreza em África continua a ser um fardo que pesa em tudo o resto. “As crianças mais pobres têm duas vezes mais probabilidades de morrer antes dos 5 anos e de sofrer de subnutrição crónica do que as crianças mais ricas”, lê-se no documento. As mais ricas também têm mais acesso à escola e ficam por lá mais tempo. A falta de estudos, por outro lado, condiciona as vidas seguintes: “As crianças filhas de mães não escolarizadas têm três vezes mais probabilidades de morrer antes dos 5 anos do que as crianças de mães que frequentaram o ensino secundário”, exemplificam. Os casamentos infantis vêm por arrasto — as meninas de famílias mais desfavorecidas têm duas vezes e meia mais probabilidade de casar na infância do que as de famílias com mais posses.

A ideia é que estes números não se transformem em bola de neve, até porque há objetivos a cumprir até 2030. O cronómetro começou a contar em setembro de 2015, quando foram definidos 17 novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para cumprir em 15 anos. “Acabar com a Pobreza” e “Atingir a Igualdade de Género” são dois dos 17 objetivos a que se comprometeram os países da ONU.

Também para alertar para as metas a atingir, os autores do relatório fizeram estimativas sobre o que vai acontecer em 2030 se os governos, as instituições, os investidores e os cidadãos comuns nada fizerem. São elas: até 2030, 750 milhões de mulheres terão casado durante a infância, as crianças na África subsariana têm 10 vezes mais probabilidade de morrer antes dos 5 anos do que as dos países desenvolvidos e 9 em cada 10 crianças que viverão em pobreza extrema estarão na África subsariana.

Cerca de 124 milhões de crianças não frequentam o ensino primário ou o primeiro ciclo do secundário e quase 2 em cada 5 que terminam o ensino primário não aprenderam a ler ou a escrever”, refere o relatório.

Quinze anos pode ser muito ou pouco tempo. Para o diretor-executivo da instituição que se dedica ao bem-estar infantil, quinze anos é o tempo suficiente para inverter estes dados: “A desigualdade não é inevitável. A desigualdade é uma escolha”, sublinha Anthony Lake no documento. “Promover a igualdade — e uma oportunidade justa para cada criança — também é uma escolha”, defende o responsável, convidando políticos, governos e organizações a mudar o cenário.