21.6.16

Subir Lall quer desempregados a participar na definição das políticas laborais


Raquel Martins, in Público on-line

Chefe de missão do FMI alerta que “nunca há um ponto final” nas reformas do mercado de trabalho.

Portugal é um bom exemplo da participação dos parceiros sociais na definição das reformas do mercado de trabalho, mas é preciso ir mais longe e envolver também os desempregados nessa discussão. O desafio foi deixado nesta segunda-feira por Subir Lall, chefe de missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para Portugal, durante um debate sobre desigualdade salarial, promovido pela pela Nova School of Business and Economics, em colaboração com o Banco de Portugal e com o Banco Mundial.

A ideia, explicou à margem do debate, é “tornar o debate mais inclusivo e mais transparente”. “Se há políticas que afectam toda a força de trabalho, então [os desempregados] devem poder participar nas discussões porque [essas medidas] também os afectam”, disse, lembrando que um governo eleito democraticamente representa toda a gente, incluindo os mais de 640 iml desempregados existentes em Portugal.

A forma como isso pode ser feito é algo que “tem de ser definido ao nível nacional”, porque “o que funciona num país pode não funcionar noutro”. “Há muitas ideias no ar”, na Europa por exemplo está a ser equacionada a criação de um conselho nacional para a competitividade.

Durante o debate, que juntou em Lisboa vários economistas da área do trabalho, Subir Lall reconheceu que o mercado laboral é um “importante mecanismo de ajustamento quando a economia estão sob choque”, mas é preciso evitar resolver todos os problemas através das políticas laborais.

Questionado sobre se Portugal já fez as reformas necessárias na área laboral, Lall foi claro: “As reformas [laborais] são um processo contínuo, nunca há um ponto final”. “Muitas reformas foram feitas, pensamos que tiveram um papel importante na redução do desemprego desde o pico da crise. Não significa que o trabalho está terminado, porque o trabalho das reformas nunca está terminado”, acrescentou o economista do FMI.

"Se estão preocupados com a desigualdade", olhem para os desempregados

Subir Lall, que está em Portugal para conduzir a quarta missão de monitorização do pós- programa, evitou os temas mais polémicos e em relação aos quais o FMI tem criticado o actual Governo. Contudo, Nuno Alves, sub-director do departamento de estudos do Banco de Portugal, que moderou o debate, surpreendeu o chefe de missão quando lhe perguntou se reconhece que o salário mínimo nacional (SMN) é um instrumento importante para reduzir a desigualdade.

"Claro que não podemos deixar que a desigualdade cresça”, reconheceu Lall, mas “o aumento dos rendimentos deve ser feito por via do aumento da procura e não através do aumento do SMN”. “Se estão preocupados com a desigualdade e com a pobreza, têm de se preocupar com os desempregados", defendeu este responsável, cujo organismo que representa defende que o aumento do SMN afecta negativamente a criação de emprego.

Subir Lall lembrou ainda que mexer na remuneração mínima sem aumentar a produtividade (como diz que aconteceu em Outubro de 2014, quando o anterior Governo decidiu aumentar o SMN de 485 para 505 euros, e em Janeiro de 2016, quando o actual executivo aumentou a remuneração mínima para 530 euros), “pode ser um problema no futuro". O Governo tem como meta colocar o valor nos 600 euros no final da legislatura.

Ao longo do dia, foram apresentadas várias investigações sobre desigualdade salarial que estão a ser desenvolvidas por economistas portugueses e norte-americanos. O objectivo, explicou logo no início da conferência o director da Nova School of Business, Daniel Traça, é “contribuir para trazer factos e conhecimento ao debate sobre a desigualdade” e evitar que se faça apenas “uma discussão política”.

Algumas das conclusões desmontam ideias pré-concebidas sobre o problema. Uma delas foi apresentada por David Card, professor na Universidade de Berkeley que tem estado envolvido em vários estudos sobre Portugal. Ao contrário do que se possa pensar, a origem da desigualdade tem uma componente empresarial significativa, conclui o economista, com 20% da variação salarial a ser definida pelas empresas. “As empresas têm uma grande flexibilidade para definir os salários, independentemente da contratação colectiva, dado que os trabalhadores recebem mais do que o que está definido nos contratos colectivos”, que têm vindo a perder terreno.

É também nesse sentido que vão as conclusões preliminares de um estudo que está a ser conduzido por Pedro Portugal, professor na Universidade Nova. O também economista do Banco de Portugal conclui que o SMN “tem vindo a aumentar a sua importância na determinação do salário de entrada [dos trabalhadores numa empresa], mais do que os salários mínimos determinados pela negociação colectiva”.

Além disso, nota, há um tendência que se vem afirmando na economia portuguesa, contrariando o que acontecia na década de 1980, quando os melhores trabalhadores se concentravam nas empresas mais generosas. Nos últimos anos, os trabalhadores com menos qualificações têm vindo a ocupar postos de trabalho em empresas relativamente generosas e, ao mesmo tempo, há trabalhadores com muitas qualificações em empresas pouco produtivas.

Isto pode ter a ver, adianta, “com uma má afectação de recursos na economia portuguesa ao longo das últimas décadas” – demonstrada em vários estudos já publicados – e com a redução da dimensão das empresas em Portugal.