24.1.17

A caridade não é um programa

in Público on-line

Cantinas sociais: o número de refeições protocoladas tem vindo a descer e o seu custo não é a melhor opção que o Estado pode adoptar.

As cantinas sociais cresceram e multiplicaram-se durante os anos da troika como complemento à diminuição generalizada das prestações sociais. Paternalmente, o Governo de Passos Coelho e de Paulo Portas confiava mais no chamado terceiro sector do que na capacidade dos pobres em gerirem subsídios de desemprego, abonos de família, pensões ou rendimentos sociais de inserção. O Governo PSD/CDS acreditava mais na “inovação” das políticas de caridade do que na social-democracia do combate aos casos mais extremos de pobreza. A pobreza cresceu naturalmente nesses anos, mas o número de beneficiários de programas como o Rendimento Social de Inserção diminuiu. Afinal, tem sido sempre essa a finalidade das mudanças de regras desta prestação.

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O primeiro relatório dos serviços da Segurança Social sobre o impacto deste programa de emergência alimentar do anterior Governo não deixa muitas dúvidas. As instituições de solidariedade social fornecem menos refeições do que aquelas que foram alvo de protocolo com o Estado; não há qualquer tipo de controlo sobre a execução dos mesmos; e a distribuição de cantinas sociais está desajustada face às necessidades das populações. A sua distribuição não coincide com o mapa de necessidades, como se comprova pelo caso de Portalegre: o distrito menos populoso do país é o terceiro com o maior número de cantinas. Existem ainda outros motivos para ditar o fim da medida criada para vigorar de Abril de 2012 a Dezembro de 2014, que o actual Governo prolongou para não deixar ninguém sem resposta: o número de refeições protocoladas tem vindo a descer e a despesa das cantinas sociais pode não ser a melhor opção económica.

O relatório vai ao encontro das contas de Cláudia Joaquim, então investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e actual secretária de Estado da Segurança Social: o encargo com uma família de quatro membros numa cantina social é mais elevado que o pagamento do RSI a esse agregado. A fase de transição que a governante divulga nesta edição pretende reajustar a oferta em função das características da procura e não o contrário, racionalizando a sua distribuição geográfica, e acautelando os interesses das instituições e dos beneficiários sem outra alternativa. Veremos. É sempre mais sensato substituir a comiseração por políticas de luta contra a pobreza.