26.1.17

Desenvolver exige combate à pobreza

António Ferraz, in Correio do Minho

Em Portugal a pobreza e a desigualdade aumentaram muito nos últimos anos com a política de austeridade excessiva que se seguiu ao despoletar da crise financeira global (2008) e depois da crise das dívidas soberanas (2010). Ora, o Relatório sobre o Rendimento e Condições de Vida das Famílias-2016 refere que a chamada “taxa de risco de pobreza” atingiu o seu valor mais alto por dois anos consecutivos em 2013 e 2014, ou seja, um valor de 19,5% das pessoas residentes em Portugal (18,7% em 2012). Contudo, desde 2015, a “taxa de risco de pobreza” tem vindo a sofrer uma ligeira melhoria que embora mantendo-se em patamares ainda muito elevados não deixa de mesmo assim de traduzir uma inversão da trajectória anterior (a primeira vez em quatro anos).

Assim, em 2015, a “taxa de risco de pobreza” (após transferências sociais, ou seja, que inclui rendimentos do trabalho e outros rendimentos privados, pensões de velhice e outras transferências sociais) foi de 19,0% (contra 17,3% na média da União Europeia a 28 países (UE-28).
Quer dizer, em 2015, um quarto da população portuguesa (2,6 milhões de pessoa) poderiam ser consideradas pobres à luz dos critérios normalmente utilizados, valor mesmo assim superior ao registado antes daquelas crises. Note-se que se considerássemos a “taxa de risco de pobreza”, mas, “antes de qualquer transferência social, isto é, considerando apenas os rendimentos do trabalho e outros rendimentos privados”, o valor da “taxa de risco de pobreza” subiria para uns dramáticos 46,3% (contra 44,6% da média da UE-28).

Está assim demonstrado a importância do papel intervencionista do Estado na redistribuição de rendimentos e, logo, na atenuação dos fenómenos da pobreza e da desigualdade social. Relembrando, entende-se por “taxa de risco de pobreza após transferências sociais”, a proporção da população com rendimentos monetários líquidos equivalente a 60% do rendimento mediano por adulto equivalente, ou seja, inclui todas os portugueses com rendimentos inferiores a 5 257 euros anuais ou 439 euros mensais.

Uma nota interessante a retirar das estatísticas do INE tem a ver com o facto da pobreza se ter reduzido nos adultos jovens (menos 2,4% face a 2014), mas se ter elevado nas faixas etárias mais idosas (de 17% para 18,3%).

Neste último caso, fruto em grande medida do congelamento das pensões e da quebra de algumas transferências sociais, nomeadamente do complemento solidário para idosos (CSI). Este agravamento da pobreza entre os mais idosos traduz, assim, uma inversão da tendência histórica de muitos anos o que não deixa de ser altamente preocupante e merecedora de uma séria reflexão por parte da governação do País. Torna-se por tudo o que foi dito essencial que tanto a governação europeia (que recentemente definiu uma meta de redução do número de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social em, pelo menos, 20 milhões de pessoas na UE-28 até 2020), como a governação portuguesa prossigam políticas públicas tendo por objectivo a redução significativa da pobreza e da desigualdade condição indispensável para se avançar num processo de crescimento económico sustentável e socialmente justo.

Quanto a desigualdade na distribuição dos rendimentos em Portugal e em 2015 pode-se inferir das estatísticas do INE, pese embora uma muito ligeira melhoria, que o País continuava a ser um dos mais injustos a nível europeu, por exemplo, o rácio S90/S10 que mede a distância entre o rendimento monetário líquido equivalente dos 10% da população com maiores recursos e o rendimento dos 10% da população com mais baixos recursos foi de 10,1 vezes, uma redução em apenas 0,5% face a 2014.

Por fim, deixamos algumas sugestões de medidas de governação portuguesa que possam minorar os inaceitáveis níveis de pobreza e desigualdade e, logo, poder visar um crescimento económico sustentável:

(1) adoptando uma política de progressivos aumentos do salário mínimo nacional pelo seu forte efeito expansionista e redutor da desigualdade, em particular, se houver criação de emprego;
(2) valorizando o trabalho no mercado laboral;
(3) mantendo as tarifas sociais na energia;
(4) reforçando os apoios sociais: no desemprego, na velhice e na pobreza infantil;
(5) alargando e gerando maior eficácia no Sistema Nacional de Saúde (SNS) e, desta forma, promovendo saúde e bem-estar social.