23.1.17

Pedro e Paulo já não dormem na Gare do Oriente. Nem mais ninguém

Margarida David Cardoso, in Público on-line

Já ninguém dorme na gare. Uns falam de apoio, outros de expulsão. Há quem descreva a intervenção como “intimidatória” e “coerciva”. Outros consideram que “foi a melhor coisa que podia ser feita.”

Entrar naquele espaço, uma das fábricas abandonadas junto à Gare do Oriente, é enfrentar um labirinto de lixo. Sobem-se as escadas e, de par em par, os escritórios são quartos. Pedro Ribeiro dorme no último andar. Num quarto que lhe “parece uma casa na árvore” em frente a uma entrada sem porta, onde o telhado se enche de água.

“Açoriano”, que pediu anonimato, dorme ali há dois meses, depois de sair da gare, onde dormiu quatro. “Não venham dizer que é melhor a gente não estar na gare”, diz.

Pedro, “Açoriano” e Paulo Amador falam de “uma pressão muito grande” feita sobre as pessoas que dormiam na gare. Não foram expulsos, mas de meia em meia hora eram acordados pelos seguranças do local, Desde 15 de Novembro, estão impedidos de dormir no interior da gare.

Numa noite, era fácil encontrar 58 pessoas a dormir nos bancos do corredor principal da gare. Onde acabavam os pés de um, vinha a cabeça do outro.

Há quase dois meses que ninguém lá dorme. Quando questionados sobre a situação, a PSP e a Infra-estruturas de Portugal (IP), que gere a Gare do Oriente, remeteram para a associação Novos Rostos Novos Desafios, a quem a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu o “acompanhamento da população sem-abrigo” na zona do Parque das Nações, no âmbito do Programa Municipal para a Pessoa Sem-Abrigo, com o projecto “Cidade Segura”. A associação tem acordos de intervenção social com a Câmara de Lisboa desde 2003.
Daniel Rocha

O responsável pela intervenção na Gare do Oriente, iniciada em Outubro, Luís Espírito Santo, afirma que das “pessoas que dormiam na gare só não foi possível ajudar cinco ou seis”. As outras foram encaminhadas para instituições: dez em centros de acolhimento temporários e albergues nocturnos, quatro em quartos e três em apartamentos, segundo uma lista que enviou ao PÚBLICO, onde consta que a associação tirou 71 pessoas das ruas.

Dezanove pessoas estão na Unidade Integrativa da Quinta do Lavrado, da Associação de Assistência de São Paulo (AASP), da qual Espírito Santo é presidente. Quatro fizeram o pedido de regresso ao país de origem, duas estavam perdidas da família. Uma “encontrou emprego” e cinco tiveram “internamento hospitalar”. Duas reataram “laços familiares”. A lista identifica ainda um caso de “internamento álcool”, uma “tentativa de suicídio” que “aceitou acompanhamento” e um caso de “depressão”, em que não é indicado qual o acompanhamento dado.

Com a gare inacessível, muitos procuraram abrigo nas redondezas. Mais de uma dezena de pessoas dormia junto ao Pavilhão de Portugal, no Parque das Nações, nas três visitas do PÚBLICO ao local, em Dezembro. “Há muita gente nas fábricas abandonadas à volta. Há pessoas que vemos noutras zonas da cidade. Há muita gente a quem perdemos o rasto”, conta Rita Vaz Curado, voluntária da Associação Conversa Amiga (ACA), que de quinze em quinze dias visita as pessoas em situação de sem-abrigo no Oriente.

O relato é repetido por Duarte Paiva, presidente da ACA, e Margarida Azevedo Alves, voluntária da Comunidade Vida e Paz. “Encontramos pessoas na Avenida Almirante Reis, Arroios e Rossio: cerca de três dezenas de pessoas que estavam no Oriente e passaram para outras zonas da cidade”, acrescenta Hugo Martins, presidente da associação VOX Lisboa.

“As pessoas estão onde calha. Nos sítios mais abrigados, onde a polícia não chega e onde ninguém vai. Onde a miséria é maior”, é o relato de Albino Henriques da Silva, em situação de sem-abrigo há dez anos.

Na primeira semana de Janeiro, depois de vários relatos de vandalismo, o número de pessoas a dormir junto ao pavilhão diminuiu. A PSP não tem registo destas situações de vandalismo.

“As pessoas estão onde calha. Nos sítios mais abrigados, onde a polícia não chega e onde ninguém vai. Onde a miséria é maior”
Albino Henriques da Silva

A Junta de Freguesia do Parque das Nações diz não ter conhecimento que “haja pessoas nessa situação”, a viver em fábricas ou que tenham ido para outras zonas da cidade. Segundo a autarquia, apenas quatro pessoas permanecem a dormir junto ao Pavilhão de Portugal. “Mas neste processo, é natural que se tenha pedido o rasto a algumas”, admite Conceição Palha, vogal da responsabilidade social. Refere que intervenção da Novos Rostos contou com a parceria da junta, da administração da gare (Gare Intermodal de Lisboa) e da PSP.

O PÚBLICO aguarda resposta da Novos Rostos sobre o processo de atribuição de quartos e apartamentos.
Menos de dois meses

Espírito Santo afirma que intervenção pretende encaminhar as pessoas que dormiam na gare para respostas de alojamento das várias associações que atuam na cidade. A Novos Rostos expôs, em Outubro e Novembro, propostas - desde centros de acolhimento temporário, apartamentos partilhados e unidades integrativas – às pessoas em situação de sem-abrigo em reuniões na sala da associação na esquadra da PSP do Parque das Nações.