24.1.17

Sobreendividamento. "Continuamos a ver uma degradação da situação financeira"

in RR

Número recorde de famílias pediu ajuda à Deco por não conseguir pagar dívidas. São famílias da classe média, cujo rendimento diminuiu face a uma situação mais precária no emprego.

Perto de 30 mil famílias dirigiram-se, em 2016, à associação para a defesa do consumidor Deco por não conseguirem pagar as suas contas no final do mês.

É o número mais elevado em 16 anos de actividade do gabinete de apoio ao sobreendividado (GAS) daquela associação.

“Esta retoma económica a que estamos a assistir ainda não se reflectiu na vida das famílias e continuamos a ter cada vez mais em situação de dificuldade”, refere Natália Nunes, coordenadora do GAS, no programa Carla Rocha – Manhã da Renascença.

O número de pedidos de ajuda subiu de 29.056 (em 2015) para 29.530 (em 2016). O número só tinha baixado em 2014, para 29 mil pedidos, mas desde aí que tem subido consecutivamente.

Na origem destes números está, sobretudo, a precariedade do emprego. “Se até 2016 podíamos dizer que era essencialmente o desemprego [que estava na origem das dificuldades], em 2016 verificamos que as famílias que estão a conseguir voltar ao mercado de trabalho, mas de maneira muito precária, quer com recurso a contratos a termo quer com vencimentos próximos do salário mínimo nacional”, explica a responsável da Deco.

Em média, as famílias que pedem ajuda têm um rendimento de 1.070 euros por mês e prestações mensal de 716 euros. As dívidas ascendem, em média, aos 87 mil euros e são relativas a cinco créditos.

“Em 2007/2008, quando prestávamos apoio às famílias sobreendividadas, víamos que tinham, em regra, 1.700 euros de rendimento. Neste momento, estamos a falar de dois salários mínimos – aquilo que as famílias compostas por três elementos têm para sobreviver durante um mês”, destaca Natália Nunes.

“A verdade é que o rendimento das famílias em geral diminuiu e continua a diminuir. Os rendimentos que agora têm são muito inferiores àqueles que tinham quando estavam a trabalhar, antes da situação de desemprego e antes da crise. Agora, apesar de estarem [a trabalhar], o rendimento que têm não possibilita ainda honrarem os compromissos”, acrescenta.

A maioria das famílias que pede ajuda tem o ensino secundário (35%) ou o 3.º ciclo (22%) e pertencem à região de Lisboa e Vale do Tejo (43%), seguida do Porto e Norte (31%) do país. Alentejo e Algarve representam apenas 5% e 4% dos pedidos que chegam à Deco.

A taxa de esforço média dos processos de sobreendividamento nas mãos da Deco foi de 67% no ano passado, mostrando uma baixa face à taxa de esforço de 77% em 2015.

Da ilusão à acção atempada

Na recente época natalícia, os portugueses voltam a gastar mais. “É um contra-senso, porque, em bom rigor, as famílias ainda não têm o rendimento disponível para fazer aqueles gastos”, considera a coordenadora do gabinete de apoio ao sobreendividado.

Têm, contudo, a ilusão e a expectativa de que poderão vir a ter capacidade para pagar, um “movimento [que] está a ser acompanhado pelas instituições de crédito, que estão a promover essa ilusão”.

Natália Nunes pede, por isso, “algum cuidado com o recurso ao crédito”, até porque continua a ser muito elevado que chega à Deco em situação de desespero total. “E cada vez mais não podemos ajudar”.

Quando pedir ajuda, então? “Eu diria que é mal uma família tem a percepção de que está a ter dificuldade em honrar os pagamentos, desde a prestação do crédito ao pagamento da água e da luz”, diz a responsável.

Nesta fase, há que analisar o que está a acontecer e “tomar algumas atitudes para evitar chegar a uma situação drástica, de ser confrontado com um processo em tribunal, com acções de execução ou mesmo uma situação de insolvência”.