5.7.17

“A pobreza é uma determinante da doença”

Tiago Oliveira, in Expresso

O momento mais alto da primeira edição do Health Parliament Portugal aconteceu ontem [sexta-feira, 30 de junho]. Os deputados do parlamento dedicado em exclusivo ao sector da Saúde, apresentaram as recomendações finais resultantes de intensas sessões de trabalho e visitas de campo por todo o país. Entre a utilização de dados e inovação tecnológica, houve ideias transversais que podem ser a face da saúde em Portugal no futuro próximo, como deu a entender o convidado de honra, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes. Na próxima edição, conheça as grandes medidas e o balanço do projeto

Seis meses, quatro plenários, e 60 parlamentares entre os 21 e os 40 anos. Assim se faz um pequeno resumo do Health Parliament Portugal (HPP), mas que acaba por ser só o ponto de partida deste projeto apadrinhado pelo Expresso, Janssen, Microsoft e Universidade Nova de Lisboa. No Palácio da Ajuda, em Lisboa, os representantes das seis comissões — Barreiras aos Cuidados de Saúde, O Doente no Centro da Decisão, Saúde Mental, Economia do Conhecimento, Ética em Saúde e Tecnologias de Informação em Saúde — apresentaram ontem, perante as figuras do conselho consultivo e os curadores do projeto, as grandes conclusões a que chegaram e as recomendações que deixam para o futuro. O encerramento desta primeira edição contou com o ministro da Saúde. Adalberto Campo Fernandes não escondeu a impressão positiva com que ficou dos trabalhos e a vontade em integrar as sugestões entregues com a rapidez possível. Um resumo da conversa.

Qual é a sua opinião sobre este tipo de projetos e se é bom para um ministro e a sua equipa serem confrontados com novas ideias, outras perspetivas?
É este tipo de projetos que faz falta à sociedade. Quem me dera que houvesse mais do género. Como disse alguém no vídeo, esta geração quer mudar, tem vontade e faz por isso. Vou mesmo desafiá-los para que, de dois em dois meses, venham ao meu gabinete. E não é por cortesia, é porque trazem ideias que quero receber. É um parlamento com muita qualidade.

Claro que surge sempre a questão do investimento possível. Que género de compromisso pode existir perante recomendações como estas?
A maior responsabilidade que um governo de um país tem é definir escolhas que podem comprometer gerações como a deles. Vemos ver quais são as cinco ou seis recomendações que podemos executar já e olhar para as outras com toda a atenção.

Mas o que falta, por exemplo, para colocar em prática a interoperabilidade entre todos os sistemas?
Nesta legislatura, temos de ver onde estamos agora e como evoluímos. Já temos, hoje, milhares de portugueses que utilizam a área do cidadão. A receita eletrónica é um belíssimo exemplo. Há um ano, menos de 5% utilizavam este recurso. Hoje esse número já subiu muito. A desmaterialização também é essencial, como já acontece com as radiografias.

É possível, então, haver integração eficaz de informação e sistemas?
Não só é possível como seria absurdo que tal não acontecesse. Queremos acabar com o circuito infernal de carregar informação de um lado para o outro constantemente. Entre privados, ADSE e SNS, tem de haver essa partilha para facilitar a vida de utentes e médicos.

Pode haver um percurso do cidadão entre as diferentes instituições, isto é, um ficheiro de doente acessível a todas as instituições de saúde, com a permissão dele, sem esquecer as questões de privacidade que isto levanta?
Faz todo o sentido. Lançámos recentemente no norte uma experiência que se chama SNS+ para evitar esta dependência quase tradicional das urgências, mas esse é um trabalho que demora muito tempo. O fundamental é que os utentes tenham uma relação direta com o seu meio de acesso à saúde primária, o médico de família. Vamos inaugurar o Centro de Contacto do Serviço Nacional de Saúde, que substitui a Linha de Saúde 24 e traz toda uma nova gama de serviços digitais de proximidade. Estamos a trabalhar melhor do que há um, dois anos. Há razões para ter orgulho. Quero referir a esperança média de vida. Já vivemos mais do que em alguns países do norte da Europa. Agora temos de dar mais qualidade aos últimos anos de vida. É o grande desafio. Quero pôr a mão na massa das propostas e ajudar a mudar o país com ideias frescas.

Há uma bomba demográfica a caminho, e isso vai refletir-se muito em Portugal. Nós não vamos ser confrontados com uma situação de rutura?
A resposta é sim, se não tivermos a ousadia de não pensar no país a 10, 15 anos. A reposição dos benefícios sociais tem de ser uma medida estratégica, porque pobreza é uma determinante da doença, pobreza potencia a doença. É precisar gerar mais emprego e mais economia. Sabemos que ninguém pode dar tudo a todos ao mesmo tempo, ou seja, o que colocamos num, tiramos do outro. Não quero pensar em passar por outra situação como a da intervenção da troika outra vez. Temos de aceitar que a epidemia demográfica está aí e temos que atuar. Em todo o lado por onde andamos, vemos que os nossos melhores estão lá. É preciso que fiquem por cá. Podemos ficar com o ónus na consciência de não termos sido suficientemente responsáveis para impedir este cenário para as gerações futuras. Precisamos de vocês, quero perceber quem está interessado em trabalhar connosco dentro do sistema.

O que é que se pode fazer no campo da saúde mental, é uma prioridade? Por vezes até parece algo escondido...
É um problema europeu, menos considerado e menos colocado na agenda política. Os países não têm investido tanto quanto necessário. Lançamos uma estratégia nessa área de tratamento e esse trabalho vai acentuar-se durante dois anos, até final da legislatura. Mas é importante perceber que esse domínio não está dissociado dos problemas sociais, como desemprego, isolamento ou pobreza. São situações que potenciam os desequilíbrios mentais. É preciso que o país encontre níveis de estabilidade. Aproveito para terminar com uma reflexão. A política de saúde não é uma gaveta isolada de um móvel. É uma parte flexível que só com uma política transversal pode melhorar. Espero que para o ano haja nova sessão legislativa.
A mensagem 
do Presidente

Apesar de não poder estar presente fisicamente, Marcelo Rebelo de Sousa garantiu estar com os participantes “em espírito.” O Presidente da República, que deu o alto patrocínio ao HPP, gravou uma videomensagem, onde realçou a importância do projeto. “Trata-se da primeira do género em Portugal”, recordou, que “junta jovens para debater as grandes do presente e do futuro da saúde.” Integra-se num quadro europeu, onde está “consagrado o Estado social que tem como componente essencial a saúde.” É uma das razões que sustentam o apoio institucional, a que se junta a discussão “da importância do conhecimento e da investigação” bem como o tratamento de um “domínio por vezes esquecido” como é a “saúde mental.” Fatores que levam Marcelo a olhar para este parlamento como “um passo muito significativo para todos nós”. Por isso, agradeceu a todos o seu “labor” nestes seis meses.
Seis meses, 58 medidas

Trabalho com Governo Os 60 deputados do HPP foram apoiados 
por curadores (ex-ministros, deputados, médicos e investigadores). As seis comissões reuniram em plenários 
e trabalharam em grupo para agora apresentarem recomendações. 
O Governo prometeu dar seguimento a algumas propostas e cumpriu: convidou a comissão de Barreiras aos Cuidados 
de Saúde a participar no projeto SNS+.

Visitas e 58 medidas Os parlamentares visitaram hospitais, centros de investigação e instituições para perceber o caminho que falta percorrer. Participaram em eventos — como o Health Summit — escreveram textos, fizeram inquéritos, entrevistas e vídeos para levar mais informação à sociedade civil. 58 medidas foram aprovados em plenário.

“O Doente no Centro da Decisão” 
Esta comissão concentrou-se no “futuro da formação” e no “percurso 
do cidadão no sistema de saúde”.

“Economia do Conhecimento” O foco deste grupo foi a “inovação” do SNS e as métricas para uma “estratégia de especialização inteligente”.

“Saúde Mental” Esta comissão atuou em quatro frentes: emprego, financiamento, inovação e um pacote 
de medidas simplex.

“Barreiras aos Cuidados de Saúde” Três áreas de ação: cuidados primários, hospitalares e continuados. Recomendam um índice que avalie 
as barreiras, o inSNS.

“Ética em Saúde” Recomendações desta comissão: criação da lei de dados em saúde, uma comissão nacional para a informação em saúde e uma entidade reguladora.

“Tecnologias de informação” O grupo procurou mais-valias de suporte à formação de políticas para os sistemas de informação, que permitam aos cidadãos partilharem os seus dados 
de saúde com proteção e privacidade.