25.7.17

Somos diferentes, mas não pelo que nos dizem

Tiago Mota Saraiva, in iOnline

Quando estiver no infantário, a bebé que me observa não distinguirá raças e credos, nem mesmo nos que chegam sem falar português. O discernimento perante a diferença começará no ensino primário e aprofundar-se-á com o avanço nos ciclos escolares, até escassear o número de jovens não brancos sentados ao seu lado na universidade.

Começo a escrever este texto com a mão direita. O meu braço esquerdo segura uma bebé de olhar atento sobre o que escrevo. No embalo da última cólica, decidi-me a escrever sobre todos os bebés que não nascem com o futuro tão em aberto quanto o dela. A bebé que tenho ao colo é branca, nascida em Lisboa, com acompanhamento médico no centro de saúde da sua área de residência e com todos os cuidados alimentares, sanitários, familiares e habitacionais que um bebé deve ter. Não será novidade escrever que esta bebé vive os seus primeiros dias com condições que, em Portugal, muitos bebés não têm, e também não será novidade escrever que uma esmagadora maioria destes bebés que não têm as tais condições são ciganos, negros ou filhos de pais imigrantes de várias proveniências. Neste ponto importa rebater aquilo que o discurso racista tende a omitir: isto não sucede por escolha identitária, mas é o resultado das brutais diferenças de condição social que existem no nosso país.

Quando estiver no infantário, a bebé que me observa não distinguirá raças e credos, nem mesmo nos que chegam sem falar português. O discernimento perante a diferença começará no ensino primário e aprofundar-se-á com o avanço nos ciclos escolares, até escassear o número de jovens não brancos sentados ao seu lado na universidade.

A história dos bebés a que os pais não conseguem dar tudo o que se deve dar a um bebé e a quem, em crianças, será exigido um discernimento de adulto para conter as suas raivas à medida que se vão avolumando as diferenças, começa por linhas tortas e tem muito mais probabilidades de nunca se endireitar. Esta bebé que trago nos braços nunca será o alvo do ódio racista de André Ventura, muito provavelmente nunca viverá nos bairros que Carla Tavares (presidente do município da Amadora) vai despejando e demolindo ou só por manifesta infelicidade na sua/nossa vida terá de concorrer ao rendimento social de inserção.

Não desejo que venha a repetir os meus compromissos, partidários ou profissionais, mas tudo farei para que nunca se acomode a tolerar estas diferenças.

Entretanto, adormeceu. Prepara-se para o mundo.