7.8.17

REPORTAGEM: Reformados ganham "anos de vida" no voluntariado da Viagem Medieval da Feira

in Diário de Notícias

A equipa de 355 voluntários da Viagem Medieval de Santa Maria da Feira integra três reformados com idades entre 60 e 74 anos, que defendem que trabalhar naquela recriação histórica ajuda a manterem-se ativos, "atualizados" e de "espírito jovem".

Orlanda Costa é a mais nova dos três, vem fazendo voluntariado desde 2005 em diversas áreas do evento e este ano, em que trabalha na vigilância do parque de estacionamento exclusivo para portadores de deficiência, faz o balanço: "Isto dá-me anos de vida! Comecei a participar porque gosto de contribuir para o que é da minha terra e depois percebi que o convívio com esta juventude toda me tira um peso de cima e faz-se sentir mais nova".

Ex-costureira numa fábrica de confeção, Orlanda admite que os dois euros que recebe por cada hora de voluntariado lhe permitem alguma poupança no supermercado, por serem pagos em vales de compras, mas garante que não é essa a retribuição que a motiva.

"Como não estou na situação de algumas amigas minhas, desempregadas que precisam dessa ajuda para as despesas, o que dá mais gozo são mesmo os momentos ao final do dia no Espaço V [reservado a voluntários], quando nos deitamos nos pufes, uns tocam viola, outros cantam e ficamos por ali na risota, às vezes até às cinco da manhã", explica.

"Essa alegria vale muito mais do que os 100 euros que eu possa levar para casa", assegura.

António Coelho é da mesma opinião, até porque também faz voluntariado noutros eventos da Feira, que não conferem direito a qualquer remuneração: "O que conta mesmo é o carinho entre as pessoas que vamos conhecendo de uns anos para os outros e a satisfação de saber que estamos a contribuir para um evento especial, que envolve muita gente e muito trabalho".

Reformado após três décadas de negócio na reparação de máquinas de costura, António colabora com a Viagem desde 2011, passou por várias posições dentro da estrutura e, aos 69 anos, não reclama sequer dos escaldões que apanhou ao sol enquanto controlava um pórtico de acesso ao recinto.

"Foi distração minha, que bem podia estar à sombra", admite. "Mas ainda tenho corpo para aguentar bem com isso e que me permita ele vir muitos mais anos para cá, que em casa é que não se aprende nada - isso só serve para ficamos a pensar no que nos vai acontecer quando passarmos para o outro lado", desabafa.

Ex-comerciante de móveis, Diocleciano David Pinto é o voluntário mais sénior de entre os 355 que apoiam o evento e, embora não se queixe tanto do tempo passado em casa por arranjar sempre tarefas que o mantenham ocupado, também concorda que, aos 74 anos, o contacto com jovens lhe permite manter-se "mais bem-disposto e atualizado".

"Não é qualquer pessoa que aguenta trabalhar 18 horas seguidas, como acontece aqui nos dias de maior afluência, quando há mais dinheiro a circular", defende, em referência às "centenas de milhares de euros" que chegam a passar diariamente pelas suas mãos ao controlar as bilheteiras do recinto. "Mas este convívio é muito bom para a nossa cabeça e eu só conto deixar de vir para cá quando achar que já não consigo fazer o mesmo que os mais novos", avisa.

Adesão de mais reformados ao programa de voluntariado? Sim, recomenda-se. Mas António Coelho alerta já: "Isto é para pessoas humildes, simpáticas, que gostem de lidar com gente e não se enervem quando um visitante começa a barafustar por alguma coisa - porque é garantidinho aparecerem sempre alguns que fervem em pouca água e num instante se tornam mal-educados".

Orlanda Costa sabe que isso é verdade, mas nem assim deixa de acenar um adeus a todos os automobilistas que vê passar por si à saída do recinto. Acredita que a experiência global compensa e daí o conselho a outros seniores aposentados: "Saiam de casa, divirtam-se, deem-se com gente. Deixarmo-nos ficar fechados só nos faz envelhecer mais rápido e apanhar doenças".

A Viagem Medieval de Santa Maria da Feira arrancou na quarta-feira, com mais de 2.000 pessoas, 355 das quais voluntárias, a trabalharem diariamente num evento que recria os tempos de "fome, peste e guerra" do reinado de Afonso IV. A recriação histórica decorre até 13 de agosto numa área de 33 hectares do centro histórico da cidade.