23.10.17

À procura do modelo europeu

Henrique Burnay, in Diário de Notícias

Sexta-feira passada, no Project Syndicate, Javier Solana explicava, com razoável simplicidade, que há um traço comum entre os eleitores de Trump, os votantes do brexit e o surto independentista na Catalunha: o regresso a uma ideia antiga (e desatualizada, argumenta) de nacionalismo como forma de responder ao sentimento de impotência perante o mundo moderno, global e competitivo.

Aquilo que Solana diz pode, sem desonestidade intelectual, ser generalizado a outros casos. De França à Alemanha, à Hungria, à Áustria ou ao Syriza de Varoufakis, há um traço comum: acreditar-se que a causa dos males contemporâneos é uma sociedade desregulada, capitalista, liberal, aberta e global. Goste-se ou não, aquilo a que se chamou o Consenso de Washington e que foi o guião da política económica internacional das últimas décadas está em crise. Mesmo quem continue a acreditar que esse é o modelo que trouxe crescimento económico global e redução da pobreza à escala mundial tem de reconhecer que a classe média-baixa dos países desenvolvidos hoje sente-se ameaçada (pelo efeito do progresso económico do resto do mundo). Resumindo muito: há medo da concorrência do estrangeiro e dos estrangeiros. O desafio, agora, é descobrir que resposta se pode dar a esse sentimento que resulta de uma realidade: as expectativas desta classe média-baixa e dos filhos de toda a classe média são hoje piores do que eram há quinze ou vinte anos. Há vários caminhos que se pode tentar, alguns deles especialmente perigosos.

A The Economist de há duas semanas tinha na capa Xi Jinping, a quem chamava o homem mais poderoso do mundo. Por mais que não se goste de Trump, tem de se ficar muito preocupado quando o homem mais poderoso do mundo não é o líder da maior potência económica democrática e liberal, mas sim o da maior economia autoritária. O possível domínio do chamado Consenso de Pequim, a convicção de que o modelo centralizado, não liberal nem livre, de crescimento económico é o caminho a seguir é um perigo. Independentemente de não haver outras geografias com as características da China, há outros lugares onde parte desta ideia faz o seu caminho. É um pouco isso que os populistas prometem: a partir do Estado, recuperar a prosperidade económica, recusando o livre-comércio e a globalização (duas coisas que fizeram a China crescer), e recusando o declínio das fronteiras. Como se fechados sobre si os povos, os países, os Estados, as regiões, tivessem maior capacidade de proteger os seus cidadãos e oferecer-lhes prosperidade. A história ensina que não, mas a história não basta.

Por cá, Macron e Merkel, e a União Europeia em geral, são a outra face da moeda. Do seu sucesso depende o sucesso da ideia de democracia liberal. Resta saber se sabem exatamente o que estão a fazer. E se há ou vai haver um Consenso Europeu.