16.1.18

Evolução do Sistema de Saúde português e o envelhecimento da nossa população

Isabel Cachapuz Guerra, in Porto24

O Sistema de Saúde Português é atípico e complexo e para o perceber temos de conhecer a sua evolução. Este tem sido palco de sucessivas reformas que se têm caracterizado por raramente serem levadas até ao fim, permanecerem traços dos modelos anteriores, com movimento pendular e onde a componente normativa é mais evidente que a componente executiva.

Relativamente à Legislação Básica de Saúde, os marcos legislativos foram os seguintes: Em 1976, o Artigo 64 da Constituição da República Portuguesa (Direito à Proteção da Saúde: “todos têm direito à proteção da Saúde e o dever de a defender e promover”); em 1979, a Lei do Serviço Nacional de Saúde (SNS); em 1982 há uma revogação da parte organizativa do SNS; em 1984, repristina parte revogada do SNS e em 1990 surge a Lei de Bases da Saúde.
Os períodos significativos foram sem dúvida: (1) até 1971; (2) a década de 70; (3) a década de 80; (4) a década de 90 e (5) os anos 2000.

Até 1971, importa referir: o papel das Misericórdias, o papel da Previdência Social, o papel supletivo do Estado e que, neste período, o assistido é considerado primeiro responsável pelo pagamento das despesas.
Na década de setenta, os cidadãos passam a usufruir do Serviço Nacional de Saúde – universal, compreensivo e gratuito. Sendo que neste período, o Serviço Nacional de Saúde é financiado pelo Estado, competindo ao Governo a mobilização dos recursos fiscais necessários.

A década de oitenta, caracteriza-se por: insatisfação das pessoas, a indução da procura pela oferta, criação de 18 Administrações Regionais de Saúde, “Salarização” dos médicos dos Centros de Saúde (em 1982, criação dos Clínicos Gerais), aumento das despesas totais de Saúde, introdução das taxas moderadoras, regulação mais estreita dos medicamentos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica passam a ser atendidos no sector privado, implementação da Lei de Saúde de 1979 e a existência de Subsistemas de Saúde.

Na década de noventa, distingue-se: a Revisão Constitucional de 1989, a Lei de Bases da Saúde – Lei 48/90 de 24 de Agosto (define Sistema Nacional de Saúde e caracteriza o Serviço Nacional de Saúde) e, em 1993, o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde.

Nos anos 2000, surgem: Estratégias de Saúde – “Saúde, um compromisso – a Estratégia de Saúde para o virar do século (1998-2002), os Centros de Saúde de 3ª geração, os Hospitais-Empresa (o primeiro hospital empresarializado foi o Hospital de Santa Maria da Feira), os Cuidados Continuados por Despacho Conjunto dos Ministérios da Saúde e Solidariedade Social, a Contratualização (criada a partir de 1996), o Sistema da Qualidade em Saúde, o Instituto da Qualidade (em 1998), a Regulação do Sector Privado ( modelo de gestão das convenções que permitia acompanhar o exercício das convenções médicas e o modelo de licenciamento e garantia da Qualidade das Unidades Privadas).

É necessário reorientar o Sistema de Saúde, tendo em consideração: visão integrada do Sistema de Saúde, Rede de Cuidados de Saúde Primários, Rede de Cuidados Hospitalares, Rede de Cuidados Continuados, Serviços de Saúde Pública, melhoria do acesso, diagnóstico e tratamento e Qualidade em Saúde.

O envelhecimento da população, dos doentes e dos profissionais terá necessariamente impacto não só nos Serviços de Saúde, mas também nos restantes Setores. Haverá acréscimo de encargos com a Saúde destes cidadãos. Todas as hipóteses de trabalho apontam para a consideração de que, sendo as pessoas no segmento final da vida mais propensas a utilizar Cuidados de Saúde, um aumento da densidade dos idosos na população em geral implicaria acréscimos regulares dos gastos em Saúde, em princípio proporcionais àquele aumento. No entanto, a consciência deste problema tem aumentado.

Os Planeadores em Saúde têm a responsabilidade de aumentar a oferta em cuidados de longa duração porque o modelo nacional é particularmente frágil. Os nossos Hospitais não estão preparados para a recuperação precoce e rápida articulação com a comunidade no sentido da transferência de idosos após o seu episodio agudo. Dispomos de escassos serviços de retaguarda nesses Hospitais que permitam algum tempo para a negociação entre a Saúde e a Segurança Social sobre a melhor colocação de cada doente na fase pós-aguda. Certamente os Lares para idosos válidos são necessários, mas prioritárias seriam certamente outras instituições nos segmentos extremos da procura, quer as mais ligeiras (centros de dia), quer as mais pesadas, destinadas a idosos com maior dependência.

Há o problema da insuficiência quantitativa: em muitos locais, a oferta situa-se abaixo das necessidades expressas. Em tais circunstâncias, o critério de colocação deixa de ser a necessidade objetiva para passar a ser o estatuto social, a cultura e informação, os conhecimentos, empenhos, muitas vezes o estatuto económico, pela vantagem conferida aos dispostos a mais elevado copagamento, quase sempre socialmente discriminante. Deste modo, a cidadania, a democracia e a equidade são atacados nos seus valores mais profundos. É necessária uma discussão alargada, melhor conhecimento da realidade, abandono das culpabilizações grosseiras e dos chavões não substanciados em evidência.

O envelhecimento da população representa um dos principais fenómenos demográficos e sociais da sociedade portuguesa. O envelhecimento ativo surge como um novo paradigma, para responder aos múltiplos desafios individuais e coletivos, que advém deste fenómeno populacional, remetendo para uma visão multidimensional que integra os vários domínios da vida pessoal e social dos indivíduos. É de salientar a necessidade de uma intervenção em prol da promoção da mudança nas politicas e praticas relativas ao envelhecimento, tendo em consideração as necessidades emergentes da população, os seus interesses e a otimização dos recursos.
É pertinente que a prossecução de estratégias e politicas seja a mais inclusiva e consistente possível, com a finalidade de tornar a Saúde e Qualidade de Vida, uma realidade cada vez mais presente no envelhecimento em Portugal.

Isabel Cachapuz Guerra é Médica Especialista de Patologia Clínica, exerce na Unidade Local de Saúde de Matosinhos e é Secretária da Mesa da Assembleia Regional da Secção Regional do Ordem da Ordem dos Médicos.