19.3.18

A Economia que foi “extraterrestre” e começa a Circular por aí

Mariana Correia Pinto, in Público on-line

O que têm em comum o Repair Café e a Vintage for a Cause? São dois projectos de Economia Circular, uma ideia que está a entrar na agenda política. O futuro é reciclável?

Quando se mudou para o Porto, a designer de moda Marisa Escaleira sentiu falta da oficina lisboeta onde tinha posto em prática a sua visão circular da economia. Tinha participado em algumas iniciativas do Repair Café, um projecto de eventos públicos onde se dá nova vida a objectos encostados, e a ideia de o levar a outras geografias não lhe saía da cabeça. Assim nasceu o desafio feito a Lindsey Wuisan, a holandesa que trouxe o conceito para Portugal: e se o projecto viajasse 300 quilómetros para Norte?

Podem ser móveis, aparelhos electrónicos, bicicletas, roupa. A reparação é feita por voluntários — a quem leva objectos pede-se um donativo —, mas o objectivo não é depositar a peça e ir buscá-la mais tarde. “São convidados a aprender, a conhecer as máquinas, até a produzir uma peça para ajudar a reparar se for caso disso”, explica Marisa Escaleira, que ao lado da economista Ana Coelho coordena o Repair Café no Porto.
As sessões acontecem quase sempre no OPO’ Lab — um laboratório de arquitectura e design onde se trata a economia circular por "tu" — e o próximo evento já tem data marcada: 28 de Abril. No enorme armazém da Rua D. João IV fomenta-se um sentido de comunidade e partilha. E deixa-se sempre um aviso prévio: o conserto não está garantido uma vez que não há profissionais envolvidos. Num dos eventos do Repair Café uma senhora ficou tão satisfeita por ver a sua torradeira a funcionar de novo que foi buscar pão e manteiga e fez torradas para todos. Além disso, acrescenta Marisa, ao verem um objecto ser desconstruído as pessoas percebem melhor o seu valor. Talvez pensem duas vezes antes de deitarem o próximo para o lixo quando houver alguma avaria.

O mantra está enraizado um pouco por todo o lado. Extrair, transformar, usar e deitar fora. Extrair, transformar, usar e deitar fora. Vezes e vezes sem conta. Mas com um fim anunciado. E o que faremos quando os recursos se esgotarem? A questão tem ocupado linhas infindas em publicações nacionais e internacionais e preocupa cidadãos e governos um pouco por toda a geografia mundial. O modelo económico linear tornou-se incompatível com o nosso planeta — e as consequências da sua vigência já são evidentes. A mudança é difícil e lenta. Mas o movimento existe. Em forma de círculo: produzir e consumir para depois reciclar, reparar ou reutilizar. Vezes e vezes sem conta, sem fim à vista. Será a economia circular a resposta para o futuro?

Corria o ano de 2012 quando o Manifesto para uma Europa Eficiente em Recursos se dava a conhecer e punha o conceito de economia circular a correr dentro da Comissão Europeia com promessas de crescimento económico e nascimento de novos negócios. Mas só no final de 2015, o Pacote Europeu para a Economia Circular colocava o plano em velocidade cruzeiro. Em Portugal, resume o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, o “acumular de evidências” de que o modelo socioeconómico actual “não é compatível com as fronteiras físicas impostas pelo nosso sistema natural” deram origem a um Plano de Acção para a Economia Circular. Corria Novembro de 2017.

Articulação é o segredo
Não é uma missão simples. Para que possa apresentar-se como uma “solução circular”, a resposta tem de ter em conta “todo o modelo de negócio”, com uma “articulação simultânea dos vários agentes”, sublinha o ministro numa entrevista por e-mail. Usando uma imagem gráfica, dir-se-ia que para erguer uma economia circular não basta “pegar nas pontas da economia linear e unir”, explica: “Isso é limitar o potencial que um verdadeiro sistema de valor, a funcionar em pleno, nos pode dar.”

Há trabalho a fazer em quase todos os sectores. Mas o Governo identificou algumas apostas prioritárias: a construção, o turismo, o têxtil, o calçado. E também o retalho e a distribuição. A ideia, em traços simples, é que, depois de utilizados, os recursos sejam devolvidos ao sistema, diminuindo o desperdício e criando um ciclo. Há cada vez mais pessoas e projectos a alinhar neste modelo antidesperdício. Mas uma mudança efectiva implica o nascimento de um novo paradigma. Um outro alinhamento de prioridades. E valerá o esforço?

Um estudo apresentado recentemente põe a resposta em números. Em 2015, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas, foram eliminados 1,1 milhões de toneladas de resíduos não urbanos em Portugal. Agora faça-se um exercício de imaginação, com base na pesquisa do BCSD Portugal — Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, uma plataforma que agrega e representa empresas comprometidas com a economia de baixo carbono: se em vez de serem eliminados estes resíduos fossem usados como matérias-primas, haveria, no espaço de um ano, uma redução de consumos intermédios de 165 milhões de euros e uma contribuição de 32 milhões de euros em valor acrescentado bruto. Isto traduzir-se-ia em 1300 novos postos de trabalho e menos cinco milhões de toneladas de extracção de materiais.

Lindsey Wuisan deixou-se seduzir pelo estado ainda inicial de desenvolvimento do conceito em Portugal. Tinha ajudado a erguer o primeiro programa de políticas governamentais para a economia circular na Holanda e viu no seu conhecimento a chave para algo novo. Assim, há coisa de um ano, mudou-se para Lisboa e criou o Circular Economy Portugal.

A estratégia do projecto passa pela divulgação do conceito e prestação de serviços de consultoria a empresas que queiram apostar nesta economia. Mas também, e sobretudo, pelo desenvolvimento de “iniciativas práticas” com “foco em inovação social e em contexto urbano”, explica Andreia Barbosa, também membro do projecto. No terreno está o Camboa (projecto de compostagem comunitária), o Plástico Circular (uma instalação pedagógic